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ps. nos achamentos do chão também foram encontrados os mistérios do voo.

 

há o sempre do chão, em estar,

sobre o qual somos

sob o qual vamos

há o que se percorre de chão, em ser

(somos isso)

 

há o entre de chão e céu, chama-se sonho

 

há uma fábula contada em roda

há uma menina, a mata e deusas

há o barro entre os dedos

há medo e paisagem, passagens

há mar, que é a fronteira possível do chão

          mas há chão por sob o mar

há dias e luas

                (mais de um bilhão de noite miramos estrelas, nós os humanos)

e a há a espreita, o rastro, as revoadas, todas as toadas

há um grito, a praça, um aí

há tanto

e, entretanto, sobretudo, amor

 

pomar

cantar

 

é sobre o chão que trato aqui, sobre esse fazer que somos em vida, sobre esses caminhos

o caminhar é um descuido

um errar

 

e derivas, desvios

tive vontade de riscar todas as linhas das palmas das mãos de todas as mães que conheço

linhas ilhas palmas almas

tenho vontade de pedir que embalem meu filho que ainda não nasceu, que ainda cresce por dentro dela e por volta de nós, peço – moças – que cuidem dele, em uma roda de palmas dadas, entrelaçadas pelo afagar de suas próprias crias

 

é preciso esculpir os próprios deuses, orná-los e postá-los ao altar ou aos correios para que espalhem a palavra, já disse: repito

(aproveitar o embalo e fazer outras deusas, essas feitas de maré e chão que nos espiam daquele fundo, em canto)

 

há risco em criar uma nova linguagem, uma escrita cujos caracteres são o disco com que durga gira o mundo, a lança de jorge, a piteira do matita, o tabuleiro de um sonho, o pente de sobá, o arco de oxóssí, o tambor do nataraja, o cajado do grande alma, a colher do kande, o falo de um, a cuia de outra, a coroa de todas e que combinados formam um novo idioma, uma nova literatura inteira capaz de abrigar todas as coisas de todos os mundos, as coisas e as palavras, um dizer anterior, alheio, imune às traduções e tradições

 

arrisco, tento, erro

caminho

 

a palavra, arrisco inventar a palavra, risco seus vícios com o chão que piso

 

de chão, do chão, com chão, no chão:

  1. cercar a letra, todas, 2. melar as palavras pálidas de exaustão, 3. sujar as regras dos homens, 4. escrever as notícias da primavera, 5. esperar verão, 6. desenhar brincadeira de acaso para a filha jogar, 7. achar norte, sul, nor-nordeste, bombordo, 8. sentar: ver do leste ao ocaso, 10. catar as quisquilhas de rosa e ordenar os mistérios do mundo, depois. Seguir

 

vou voo de esculpir as ilhas em que pisei em sobras de tocos que encontrei, dotá-las de palavras outras e então brincar de achar rima, inversar sentidos, alinhar estranhos

 

pois há uma semelhança entre o pó do chão e o da palavra. algo que nos sustenta, nos conduz e que, com bom trato, pode servir de morada. a palavra, como o chão, é sempre, é caminho. ambos são combinações de possibilidades infinitas.

 

a trilha é linha, a linha é trilha.

caminhos

caminho

 

 

 

o PS acima eu roubei de barros. tomei como título e rumo. no original, antes dele, há o dizer III de um poema do manoel cujo primeiro verso é “nascimento da palavra:”. esse poema mora no “guardador de águas” que fala sobre seu amigo Bernardo, um sujeito que fazia encurtamento de águas. confesso que adicionei plural ao achamento original e troquei origens por mistérios, perdão.

 

 

PS. ultimamente ando olhando o chão. é tristeza, mas não só. é procura, aprendizagem. reconhecer o chão é o primeiro passo. todos os outros bifurcam-se disso. reconhecer e recolher o chão ao redor e o mais além possível. então: pegar, notar, anotar, rimar e compor novos infinitivos, até que virem chão novamente.

 

 

deco adjiman

08.22

 

 

 

 

 

 

 

agradecimentos

Ana Paula Cohen pelas trocas, acompanhamento, ensinamentos, referências e críticas sempre de forma construtiva, carinhosa e companheira. Maria Montero pela parceria, fé na Sé e amor à arte. Toda equipe Sé pelo suporte, especialmente Laura Nakel pela arte desse impresso e tantas outras ajudas no caminho. Família Pimenta Bueno e família Adjiman, pelo amor. Alessandro Marques Ventura, José Ivanildo Mendes (Iran) e Yago Monteiro de Oliveira, pela mão na marcenaria. E antes, sempre, durante e além, Bel (+Jojo,+Chico), por ser. 

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