poemas
lógica
escrevo, logo sinto,
minto: logo invento.
pois sou, ou, ao menos tento
ser, somente aquilo em que insisto.
escrevo porque existo, puramente
em instinto,
seja mar, amor ou morte.
porque anoitece e os pássaros deixam de cantar,
então escrevo, simplesmente,
sem tanta razão, apenas para me esvaziar.
seria essa vida por demais ociosa,
escrevo então,
para aliviar minha mente do peso das manhãs silenciosas
para escorrer minhas
cores,
dores,
loucuras.
porque estrelas, mesmo a essa altura
da aurora,
ainda brilham, desistem de ir embora
e me inspiram
então descrevo,
então despejo essas linhas tortas,
mortas,
soltas,
então me atrevo a deixar, pra vida,
todas as ilhas da minha eterna despedida.
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maço
te peço um passo
e meço
e traço
e transo, escapo
em transe, engasgo
masco seu lance,
macio, te caso e faço acaso
laço um maço
fumo, amasso
tusso, ta russo: abuso
uso seu aço, aqueço,
abraço, de manso
possuo sua valsa
e esqueço (é março), sou poço
e posso, passo a passo, ser passado
para sempre
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ardo
parto-me por cada linha
tardo enquanto não me encontro
só
sss op r a nn d oooo
versos e ventos e versos e então
fico órfão
e vivo o vão
no cinza
dessa terça
na pressa dessa lua
crua como a pinga que me engasga
rasgo cada bilhete de amor
que invento
no claro dessa tela
no abismo dessas letras: sonho
e suponho ser eu mesmo
mesmo que seja só por ora
mesmo que só por obra
tento: verso e vento
minto: sussurros e o que sinto
não há um só motivo para rimar
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cisco
rabisco,
mentindo inversos:
arrisco
meu risco sobre o papel
desisto
escalo ao céu: insisto,
ou calo deus
e minto aos meus, e sinto breus
e calo em cana: sou seu
até ontem, então esqueço
fumo, sumo ... escureço
não mereço: nem tu nem o mar
(são além)
e também sou amar desde amanhã
sou a morte a bater
(ou a sorte a (es) correr)
na parede da tarde ... e ardo, arde
sou lerdo – e tardo a nascer, quando abro e vou ver o poente então sinto o que sente o doente ao morrer: desabo
e sento e lento
me ponho a esquecer essa tal vontade-saudade
levanto, sussurro, canto no escuro
então rabisco, mentindo inversos
impressos: insisto
meu risco sobre o papel
(é cisco)
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hoje
ontem sonhei contigo
mas hoje
acordei
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tal talvez ao certamente
se acordo, tenho sono de você
inspiro sete versos toda manhã antes da aurora e expiro sete vezes o seu nome
de sete formas
belas
elas
me confundem pois me preenchem
sinto sua falta
de ar, sinto sua saudade
e ao mar tenho vontade de ir a cada crepúsculo sem você
não sou nada
ou quase nada
ou menos ainda
sou além
venha ser assim
em mim também
tal ar ao doente
tal brisa à vela
tal espelho à bela, tal mar ao poente, tal talvez ao certamente
quero você, suas profundidades, seu inteiro,
seus cantos, seus meios,
seus seios,
seus mistérios: meu império
te entrego, me entrego: me consuma
e suma com meus restos, morena seu abismo me envenena
estou morto e sem chão
estou torto em seu chão
me varra para debaixo do capacho
sou escravo por paixão, poeta por necessidade
agora sou bêbado, errante, viciado: sou morto de hoje ao fim dos meus dias
só ressuscito com um porre diário de seus lábios
com a vastidão de seus olhos
e uma overdose constante de sua poesia
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fevereiro : rio de janeiro : inferno : terra
o menino teve a cabeça arrancada do corpo
a cabeça arrancada do corpo
a cabeça arrancada
arrancada do corpo
o menino teve a cabeça
arrancada do corpo
o assassino meteu a arma (de brinquedo) na cara da mãe
era preciso roubar o carro, falta dinheiro pro pão
falta dinheiro pro pó
o assassino acelerou o carro com joão pendurado
era preciso fugir rápido, falta tempo para ser criança, falta tempo para ter inocências
o assassino tentou se livrar do corpo de joão fazendo zigue-zague
por sete quilômetros
sete quilômetros
a 70 km/h um carro demora seis minutos para percorrer sete quilômetros
seis minutos
é mais tempo do que podemos ficar sem respirar
é mais tempo do que podemos ficar de olhos fechados ouvindo gritos e choro
seis minutos são trezentos e sessenta segundos de absurdo
seis minutos são suficientes para que um menino tenha a cabeça arrancada do corpo
a cabeça arrancada do corpo
a cabeça arrancada
arrancada do corpo
o menino teve a cabeça
arrancada do corpo
garçom, passa a régua, a humanidade pede a conta
já não dá mais
já esgotamos o nosso tempo aqui
vamos acabar com essa farra barata
suba o letreiro dessa pornochanchada de quinta
não traz nem a saideira, traz a conta e seis bilhões de balas de menta
chegamos no ápice do abismo do fundo do poço
não faz mais sentido
o garoto teve a cabeça arrancada do corpo
traga a conta urgente
vamos deixar a mesa suja mesmo, depois você se vira para limpar essa zorra
o cinzeiro fica cheio e cinza
a gorjeta será de pobre, que somos ricos mas mesquinhos
o último trago será tragado: que seja veneno ou pimenta
merecemos sofrimentos, todos nós
não há mais o que fazer por aqui
ao pai, reze vinícius : antologia : versículo 175 : parágrafo único
(o balanço do filho morto) não há nada além a dizer
à mãe, faça luto, vele, vista branco: seu filho é anjo
ao assassino, que deus não lhe perdoe
que os homens não lhe perdoem
e que a vida, aos poucos,
arranque a cabeça do seu corpo
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lembro
todo
dia
penso
em
te
esquecer
então, lembro
que já é tarde
e tento
te encontrar
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fugir do soneto
poetas e loucos (e musas além) acham cheiro nas palavras
movimento move o lento leito tempo: tem de ser silêncio vezes pi, ou nada
agora em exemplo: preciso apenas de quatro versos sobre as belas selvas dela (afim de iniciar um soneto)
e poderei dormir
e no sono costumo d e
s
pe
nnn
n
c
a
rrr
em, dastrês, uma:
a) pesadelos roxos envolvendo ruivas e rinocerontes
b) poesias sólidas, tal cachoeira polar em agosto, quebrando meu entreolhos e invadindo minha entrefuças por um dos 9 entreabertos orifícios que conduzem meueu para o mundo e o mundo para o meueu num vai e vem de milagres e lepras
c) nda: escuro céu secreto ou abandono de ser: somente saber sentir o “será?” ou estar envolto em gelatina morna: queda eterna tal talvez ou (como descrever o planar de uma andorinha sozinha a caminho do último peixe do outono?!?).
mas não - devo voltar às matas e voltar as costas à tristeza que o sono não resolvido me pesa
o que rima com lasciva?
dois quartetos e dois tercetos, decassílabos afonsolinos em rimas de meio, de pontas ou de pares e impares – chicoteia o senhor professor de literatortura arcaica de meados do século XIIIIIII esqueci
enquanto eu
desenho
pernas
que
se
abrem
com soprar
e procuro poesia em seu bigode
e=mc2
soneto=4+4+3+3
(tem muito de einstein em camões e vide o verso)
a poesia pode ser exata se exatamente a mente se exalta e fica a fazer matemática com palavras ou teoremas com imagens. acuda escolhi a profissão errada: poeta desempregado. engasgo em cada rima e me punheto a baudelaire, moraes, neruda.
acuda – preciso de um soneto (sou neto de um senhor que fazia quadros:o turco não era pintor, além, era poeta com tinta ou escultor de cores ou aviador de texturas)
a aula anda manca feito puta esquecida, essa imagem, se poética ou não, me entesa de tal forma que informo ao cinza que devo ir ao tanque esfriar a cabeça
hoje antes, ao tentar o soneto ainda com sol, troquei fácil por um entardecer de sexo selvagem com uma palavra prostituída: primavera
dei-lhe dois contos e abri seu sexo no jardim, sentou em mim: fomos setembro
se lembro tinha incenso de nuvem, voz de pé no barro e toque de outono
sou outro já outubro
completamente apaixonado até a aurora surrar a cachaça
acho graça: tudo isso pra fugir do soneto
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plutão exausto
"se este decifrar é lento, posso gastar uma vida toda nisso"
marila dardot
este vai-e-vem de sentimentos
este todo lento esquecer
este querer lua ao meio dia
esta garoa
esta garota
esta poesia
este vento contando brisa, cortando carne
este escuro estendido
este vácuo consentido
este labirinto azul: posso gastar uma vida toda a procurar
posso perder a próxima primavera a percorrer, ainda assim terei flores
em mim
senhores, este tal talvez aos edifícios, esta incerteza das ruas, essa dúvida nos viadutos
sugam-me
este plutão freado no vazio, exausto, sem eira, postado como quem espera ... cansado de atrair corpos, de embriagar namorados, este plutão se vingando das fêmeas de escorpião por não ser mais planeta, sugando seus mares e nos deixando difusos
este plutão vencido (de derrotado, não de sem validade)
esta terra cheia de vaidade
esta terra que habitamos, que corroemos
esta terra cheia
de terra que cheira à chuva
de gente que cheira à gado
de gente
de repente a noite, as luzes todas vermelhas, as damas, as febres, as lepras
tudo suga
este toldo que nos tapa, tal a tampa da marmita de baudelaire
este oco que nos cerca, este eco que nos grita, este ócio que nos ojeriza
este cio que nos embriaga, este vicio que nos escurece
este abismo que nos sustenta
tentas
senta, ajoelha cristão ... implora à santa
cansa
levanta, caminhas à cerca ... o que o cerca? indaga e cansa mais
e canta
são tantas
e exausto, canta mais alto: ‘’levanta as mãos pro céu``. seu crente
doente, desiste
insiste
vai ao bar, pede mais uma, chama outra, esquece a luta
come a fruta, na rua mesmo
urina
sangra
a terra geme
de dor, de desespero
de ânsia, de câncer
de repente a aurora, os pássaros todos desesperados, os pedintes pedindo mais, os bêbados arrependidos vomitando desertos
toda febre, toda lepra, tudo fica mais claro agora
aurora, embora clara só revela breus
os meus
os seus
os calos, os bueiros entupidos, a escola vazia
este vapor quente
esta gente suada sacudindo pro rumo
esta ausência de lua, este excesso de sol
de sofrimento
este querer estar junto, tentar os olhos e não ter mar
nem mar morto
este torno todo cinza e torto
esta sina
esta menina
esta rima barata
este oficio, o desperdício
este vai-e-vem de sentimentos
esta confusão crioula
esta farra tropical
esta chanchada de quinta
esta feira de restos
este fosso de ossos
esta dor engraçada, este sem sentido absurdo
este surdo que dança, este mudo que indaga, este cego que pinta
sou eu
meus breus
meus seus
meus ralos são de adeus
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seu sol lua minha noite
céu sol lua nuvem noite
e mais
e além
mar e rio
e cada onda
e cada brisa: tu
ecoando em mim
aurora
uivo canto
doce ar: tu
penetrando em mim
e mais
e além
tu em mim também: em carne em dor em cor em suco em cheiro
enchente de inverno
e cheio
em cheio digo seu nome: isabel
e peço só céu sol lua nuvem noite mar rio onda brisa aurora uivo canto doce ar, ou tu
e me basta
tu e me arrasta
e me lasca
e me neva
e me leva
e me ama minha ama
minha dona e me doma e me soma
só não suma
nem me deixe
só me deite
e me enchente
e me encharque com
seus céus
e sois luas nuvens noites
e mais
e além
tu também e ainda
mais e ainda além
vem
sem nunca tão sempre, seja tão ontem em mim
haja hoje, haja dia
faça frio ou poesia
faça nós e faça nós e cale-se e durma
haja ontem, aja tal anjo de mim
tenha dó e seja só e seja tão tu como eu
sou seu
e tanto
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abril, III
sobre o corpo do poema
já passei noites em branco
já passei outras em pranto
sobre o corpo do poema
com o poema sobre o corpo
da amada
já tentei tanto
já versei em prosa e em canto
mas nada
nada sai da minha pena
que reflita uma gota do encanto
que há por dentro e no verso da pequena
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o centro todo espalhado
“I once loved a woman, a child I'm told
I give her my heart but she wanted my soul
but don't think twice, it's all right” bob dylan
seis e dezessete de uma manhã fria, noite ainda, outono
lá fora
o centro todo espalhado, eu,
metade ontem, apenas era
e esquecia
era e esquecia e era e esquecia (em ciclos)
havia visto mais ratos em mim que em toda xangai antiga, e os restos (ou rascunhos) de seus ruídos
me rompiam a razão
meu amor acabou em uma manhã de outono enquanto caminhava pelo centro
(nunca ouvi dizer de algo tão triste)
pedi um chapado e uma coca gelo-e-limão
pedi um guardanapo e escrevi: I give her my heart but she wanted my soul
elas sempre querem mais bob
pedi mais um chapado, pedi a conta e voltei a ser
o centro todo espalhado
eu inteiro
interno em pedaços
vazia a rua fazia frio, suando tentava lembrar o resto da letra: it´s all right
sempre, apesar das noticias, da azia, das lágrimas
apesar do peso, sempre esta tudo certo
preciso de um abismo, um absinto, um neruda
preciso de um algum alguém qualquer
preciso de uma esquina, uma mulher
preciso de um minuto de silêncio: meu amor morreu
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a poesia venceu
a poesia venceu
está vencida
caída coitada calada
quieta
que nada
a poesia venceu
com honra
com mérito
com bandeira
com moraes
nos barros
em pessoa
nos campos
em tantos: vencedora
a poesia vence
ontem
quando olhei a menina, ganhou
quando mirei o jornal, expirou
a poesia venceu
está vencida
quieta coitada caída
calada
colada em postes antigos
em versos baratos
em rimas roubadas
vencida
vencedora: jaz
na bossa de outros tempos
no jazz de outros negros
sete palmos de terra pesando
sete palmas de tristes sorrindo
a poesia venceu
está vencida
calada coitada quieta
caída
catada nos becos de dylan
na relva de Whitman
na manhã de cabral
no vinho de Baudelaire
no não de Rimbaud
no sempre de neruda
a poesia acabou
vencida
morreu: adeus
( )
silêncio rosa como a bomba
de vina
no japão
mas não: renasceu
por um anjo de drummond
com o uivo e a prece de ginsberg
no sujo de gullar
com a ressaca de bukowski
a poesia venceu
coitada, vencida
que nada, vencedora
calada quieta caída
bonita torta alerta
a poesia venceu
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primeiro poema ao mar
tenho por mim que todo mar inventa, amor,
e são contos, não poemas
e são tantos
correm nas beiras, no alisar de pedras e areias
num fazer sem serventia, além do eco
em que todo silêncio é cheio
desse canto
nesse canto
o vento passa
o mar inventa
o amor tormenta
- socorro amor, ao mar parti
fui seu: sou sal
e todo o mar é uma saudade,
que bate
(em mim, enfim)
sou eu e o mar
esse sujeito fêmea: a mar, portanto
que me atormenta, e me consola, e me embala, e me envolve, e me naufraga
tal tu, amor
- socorro mar, do amor perdi
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nota para poema sem poesia
fazer um poema - sem poesia – sobre o menino descalço que me vendeu esse pacote de balas na esquina da avenida brasil com a nove de julho ontem pela manhã. Dizer em verso, sem rima, que eu quis pagar cinco reais por apenas um pacote, mas o menino não deixou, disse – não tio, leva dois, tio. E eu ainda insisti, mas ele mais e então jogou mais um pacote para dentro do carro e o farol abriu e ele correu para pegar os tantos outros pacotes e o carro detrás buzinou e mais e outras buzinas e então engatei e então acelerei e só então entendi. Dar um espaço de algumas linhas para o leitor também entender, fechar os olhos e voltar a respirar. Dizer, ainda no poema, sem qualquer alarde que quis chorar e então chorei. Mencionar no poema que ele parecia o meu sobrinho, o menino, mas negro e descalço e na esquina entre duas grandes avenidas e vendendo balas. Dizer também que era uma manhã de sol e o Gabriel, meu sobrinho, estava provavelmente na escola, ou no clube ou entre eles ou correndo ou brincando, ou entre eles. Dizer além, no poema, sem métrica nem tréplica, que hoje cedo eu voltei na esquina da avenida brasil com a avenida nove de julho sentido pinheiros com algumas frutas e um pacote de bisnaguinha seven boys mas não vi o moleque. Chorei, mas a menina de sandália rosa na esquina da brasil com a europa agradeceu. Dizer que ela não parecia a luisa, minha sobrinha, mas também era linda.
nota para poema que começa triste e termina bem
a parte triste do poema conta que perdi minha mãe aos nove anos, em pleno carnaval. Ela morreu de Pneumonia Infecciosa Aguda e Dupla, soube ao ler em seu atestado de óbito muitos anos depois. O documento estava traduzido do inglês pois ela morreu em Denver, Colorado, Estados Unidos da América. Pneumonia Infecciosa Aguda e Dupla, a sigla quase se estende por PIADA, mas sem graça. Essa é a parte triste do poema. O poema continua para dizer que em algum momento da adolescência eu fiz a conta para saber o dia exato e a hora exata em que eu passaria a ter vivido mais tempo nessa vida sem a minha mãe do que com ela. Pensando agora deveria ter incluído os 9 ou tantos meses em que morei em seu dentro, afinal nunca fomos tanto em nós, mas provavelmente não o fiz. Fiz a conta: doze de abril de mil novecentos e setenta e nove, ao meio dia e um minuto, até dezesseis de fevereiro de mil novecentos e oitenta e nove, as sete e quinze da manhã, já descontadas as 3 linhas de fuso horário que dividem São Paulo e Denver. O resultado foi as três horas e dezenove minutos do dia vinte de dezembro de mil novecentos e noventa e oito. Não lembro o que fiz nesse dia, aos dezenove anos. Não sei se isso deve estar no poema: não é triste, muito menos feliz, é apenas melancólico e a melancolia é uma senhora ranzinza demais para riscar em verso. Marcar com asterisco e pensar sobre (*). Preciso dizer também que tenho poucas lembranças vivas e reais da minha mãe. Hoje tenho dúvidas sobre algumas, não sei se são lembranças ou fotografias. Hoje trato por sonho e fecho os olhos para sentir melhor. A parte boa do poema trata sobre essas lembranças que são uma espécie de entre-pele, algo que parece me constituir fisicamente, quase como um fígado. Inserir ela sem qualquer alarde ou introdução e então estou correndo atrás da joana, minha filha de dois, e a forma como os cachos do seu cabelo loiro dançam em sua nuca me lembram a minha mãe e então eu sinto o cheiro de grama. Pensar se o poema precisa continuar.
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coisa mais última da vida
contei pra menina ao lado: tenho subterrâneos por ti
no que ela respondeu, interrogando: o que se faz por subterrâneos?
coisas profundas,
antes confusas,
coisas de instinto: tesão, medo, hipérboles ...
subterrâneos enfim, quase infernos
o negro de seus cabelos era meu céu (sem lirismos juro)
entendi ter um particular por seu lábio superior, e outro, ainda mais grave, pelo seu cangote
palavra essa, cangote, que já me valeu o dia
consta que a menina ao lado era minha já há um ano, uns meses e outros dias
e nesse dia, não que ela se alarmou, mas creio que tenha entendido,
flutuamos, então
acho que fomos ao cinema trocar pipocas
há dias que só falamos dos abismos
e nas noites tenho sonhos arrozeados
(uma cor de crepúsculo, algo entre o roxo e o rosa. mas também uma textura: como quando, sozinhos no mercado, enfiamos a mão no saco de arroz como se aquilo fosse a coisa mais última da vida)
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detalhe
acordo ao seu lado e sonho
ainda
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sentimento
uma tarde e tantas
danças
outra noite e tantas
ânsias
a manhã e tantas
tardes
vão
em vão ao chão
pois não são
nem vão madrugadas
nem vãs indagadas
nos vão
tantas e nada
num sempre talvez
indeciso
que paira à beira, esteira, do quase
e arde (de tarde) e late (de uivo)
e escuro
me escuto
e te grito, aflito, e te deixo (de deito)
num leito, esquecido
me deito de lado
te apago, te corrijo, te rabisco, te rascunho
suponho
sonho
vivo e venço (de expiro)
recolho
te miro (de olho)
inspiro (de respiro)
te recrio em mim
num talvez sempre sem fim
clamo, aclamo, reclamo: calma
tu tens minha alma
use
reuse
me abuse e me abisme
(sou sempre um bocado a mais de sentimento
você, talvez, se acostuma)
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tristeza
a minha tristeza
é uma tristeza sentada
a minha tristeza
é uma tristeza sentada e refletida
é uma tristeza sentada em uma sala de espelhos
daquelas salas dos parques de infância
onde nos víamos repetidos mil vezes
e em algumas delas deformados
ou magros demais, ou gordos, ou altos, ou baixos, ou cabeçudos ou sem pescoço ou com braços finos
a minha tristeza é a tristeza nessa sala
deformada
repetida refletida em outras mil
ainda minhas
mais altas e mais gordas e mais pescoçudas
e ainda minhas
a minha tristeza é uma tristeza sentada
é uma tristeza que xxxx erra
e me acerta
a minha tristeza pergunta pelo chão ao abismo
estou caindo
a minha tristeza me pergunta como pedir perdão ao vaso quebrado
e me vê com o martelo na mão
a minha tristeza é como a faca, só lâmina, de joão
é como essa faca posta à mesa do esfomeado, junto ao filé
antes
a minha tristeza é a mão do esfomeado
ou o estômago
o estômago
se ele decidir poupar a mão
ou a mão
se ele decidir matar a fome
a minha tristeza esta satisfeita
mas não pede o café
nem aceita bala de menta
a minha tristeza é um estado de melancolia
é a falta de ânimo, desânimo, falta de alento
- diz o houaiss, mas eu não acredito
a minha tristeza esta sentada comigo
e quer transar no sofá
quer jogar cartas e conversas
minha tristeza quer ir ao bar se refrescar
minha tristeza é azul em inglês
e só dança mozart
e fala russo e tosse
e fuma enquanto eu tento dormir
a minha tristeza faz uma semana
e eu preciso dormir
a minha tristeza
é uma tristeza sentada
sentada e refletida
sentada e repetida
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(a rosa de hiroesquina)
pensem nas crianças
e não pensem em mais nada
pensem nas meninas que
passam a tarde a querer pão, e nada, que
passam a noite a sós com a solidão, exatas, que
passam as madrugadas com fome e coladas, que
passam a aurora entre buzinas asfaltadas
pensem nas crianças
e não pensem em mais nada
meninas mudas, cegas e surdas
meninas sujas, negras e negadas
feridas como rosas pálidas
esquecidas nas latrinas das esquinas radioativas
largadas a deus pelos homens e aos homens por deus
adeus, abandonadas, exterminadas, ultrapassadas
pensem nas meninas e não pensem em mais nada
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quase uma hora perdida
são 17:47 quando sento para mirar o fim do dia
o que penso ser o licancabur esta ainda completamente iluminado
a primeira moita de sua base começa a ser banhada pela sombra do vulcão à sua esquerda
ainda não decidi se ele esta mais marrom ou mais avermelhado, e como demoro, a cor muda
há neve em seu topo, menos do que ontem
outros picos menores mas com mais neve colocam-se ao seus pés e logo lhe tomarão em sombra
agora me decido pelo vermelho, são 17:53
o platô que estende-se à sua direita está completamente tomado pela cor que agora faz uma batalha com o negro da sombra que se aproxima do outro lado
mais à direita, os outros vulcões ganham roxo
mas seria melhor não dizer sobre as cores
são 17:58 e agora vejo que há fumaça brotando do láscar, como sempre há
ele está em seu último gole de roxo e parece não se importar em cair no breu
o que penso ser o licancabur é o único ainda a mirar o sol, são 18:01 e ele não parece desistir
o roxo, abandona as montanhas para banhar o céu logo acima
enquanto o negro da noite que vem o empurra cada vez mais para o alto
são 18:03 e o que penso ser o licancabur mergulha na sua noite
ainda não posso ver nenhuma estrela, mas elas já estão lá
o céu logo acima dos vulcões parece se esquecer que deve escurecer e ganha um tom de azul pacífico
fui informado de que a noite cai rápida no atacama,
mas não me importo
por um minuto e meio se fez um silencio completo ao meu redor
são 18:08 no deserto e o azul ainda está, o roxo ainda está (porém quase cinza) e eu ainda não sei
esse é o meu terceiro deserto e ainda me ponho nervoso
parece que hoje as estrelas não querem, cansaram por tanto causar ayer
o frio tenta me vencer
o roxo me abandona, mas o canto do céu que deveria vir negro, vem ainda em azul pacifico
o licancabur não se importa
o sauvignon blanc esta quase acabando e isso sim me preocupa
são 18:15 e se alguém agora acordasse de um coma profundo pensaria que estaria vindo aurora
mas mesmo assim algumas luzes se acendem em um pueblo distante
as pessoas preparam o jantar e acendem a fogueira sem prestar atenção que ainda não ocorreu nenhuma estrela em toda metade leste do céu do atacama
o azul domina por todo, em um tom profundo, mais negro que o pacifico que ainda tenta a sorte pelo topete dos vulcões mas já sem tanta certeza
sao 18:20 e o meu vinho acabou
então surgem duas estrelas, são 18:21
creio que sejam aquelas duas logo ao lado do cruzeiro do sul que ajudam a desenhar a rosa quando estamos pedidos ou apaixonados (o que da na mesma)
ontem, em um escuro do deserto, me apresentaram mais de perto a uma delas e descobri que o seu brilho, que parece um, é na verdade fruto de duas estrelas absurdamente distantes entre si, mas como estão ainda mais absurdamente distante de nós, parecem ser a mesma
o que me faz pensar em algumas curvas da vida
parece que o negro convenceu o azul em rendimento
são 18:26 e ainda vejo o que penso ser o licancabur
como ainda vejo toda a cordilheira dos andes, que infelizmente não me lembram o corpo de minha mulher deitada, apesar de ver alguns seios
são 18:29 e posso decretar que a noite esta feita, porque apesar de poder ver o perfil do que penso ser o licancabur, não posso mais ver a mão se a estendo ao fim do braço
outras estrelas brotam, e sim, a primeira foi a vizinha do cruzeiro do sul que agora mostra seus quatro braços
são 18:36 e o que penso ser o licancabur ainda tem o seu perfil mais escuro que a noite sobre nossa cabeça
passa um cão
faz vento
penso ver marte
todo o resto, inclusive o que penso ser o licancabur que agora, as 18:41, é apenas uma dúvida, parece ser breu.
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Abril, VI
dois seios
e eu
não preciso de mais nada
além
do seu meio
também
de sua alma
menina
suas coxas
por cima
me ensinam, linda,
a amar
com calma, a cantar
com rima
a sorrir
com fundo
de paz
e a te ter em prazer
e a me ter
em você
profundo
sem jamais
cansar
de ser
euvocê
sem o mundo
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na tranca de uma noite
tive espasmos
e espanto
tropecei num tijolo de morena: cai em mim
e por terra
fui feliz por seis minutos e trinta
acordei, então
fui ter com a rua por outros seis anos: perambulando
aprendi a caminhar na mesma velocidade da terra, indo no sentido contrario de sua rotação
aprendi a ser estático em movimento
mais espasmo, já sem espanto
sentei de cansado
fui tomado por uma garoa
depois por um vendaval
disseram que eu não resistiria
acertaram
aceitei, pedi a conta e corri
lembrei de um amigo que devorou guarda-chuvas em incerta madrugada
corri mais
e mais
dessa vez à favor da cambalhota da terra
perdi-me em mim
onde? quando? quem?
já não era, ou fui?
talvez, mas não importa realmente
o fato é que tive ciclos
e quando lembrei de mim estava por demais tonto
deveras perdido
e então caminhei a algures
simplesmente
vi a cifra das horas rodando no céu
tive o aroma do abismo dormindo ao lado
tive a certeza dos deuses rosnado com mar
tive o chão dos ateus em meu horizonte
fui distante
e perdido
fui amante, inimigo: fui seu
e fui mar
vi a noite nascer pela fresta do dia
vi a lua surgir na pele do mar
tive sonhos distantes ainda acordado
embebedei-me, distraído me pus a cantar
sobre noites e dores e horizontes antigos
tive medo
tive mar
te vi nua em mim
sou assim, sem saber, se sou seu ou luar
e cantar a sós
me resta
com mar
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adeus aos mortos
abre-se a terra: uma reza, uma flor, vela-se o corpo
faz-se o fogo: outra reza, outra dor, vela-se a alma
adeus aos mortos
lagrimas para adubar a terra
mãos para colher o que nos resta
adeus aos mortos
uns vivem mais de trinta mil dias
outros menos que quatro
todos à terra, todos à deus
adeus aos mortos
três velas a velar em um canto escuro, a viúva, a mãe
adeus aos mortos
um homem de negro que reze latim, uma chuva fina que traga sentido
é preciso uma semana de luto,
um lote de terra, uma caixa de madeira nobre, duas pás e uma pedra branca
é preciso acreditar em algo alem, por puro conforto,
é preciso saber esquecer
não há nada mais a fazer
adeus aos mortos
é fundamental que alguns pássaros suspirem ao fundo
e que um poema antigo ecoe ao acaso
adeus aos mortos, diz o passante em sinal de cruz
ou estrela, lua, pouco importa
o silencio não existe
e só é preciso fechar os olhos para dizer adeus
aos mortos resta o eterno
dos mortos sobra a saudade
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Abril, IX
há
outono
em meus olhos
lágrimas de folhas secas
c
a
i
n
d
o
com o menor
s o p r a r
de brisa
há inverno em meu peito
e as flores que guardei
já não são nem veras
nem isabelas
mas botões de terezas
e pétalas de manoelas
há madrugada em minha vida
sem a luz de luiza
nem o som de sandra
apenas o escuro dos meus becos
ecoando
o silêncio dos meus berros
ontem a noite
garoou em gabrielas
e nem tal poesia
aliviou o outubro de minhas entranhas
não há janeiro que o digira
o velho e estranho setembro,
após cada novo desgosto,
recria
em meus lábios
o gosto
que lembro
ser de pão com lábios
de maria
hoje a aurora, loira inimiga da noite, me acordou
fria,
vazia,
trouxe o mais cruel dos meses
e abriu as janelas de todas as minhas agonias
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chaça
não largo a pinga: trago-a
ardo-a em minha garganta, tardo-a em minha lembrança
não adianta
hoje tratarei de sorver 4 oceanos de cachaça crua
afim de não morrer desidratado
:prefiro afogamento
não há sal, lamento ou abandono que a pinga não engane
traga-me doze cálices fundos, então,
hei de fazer-me poeta: dose por dose
em vão
em vão
vão meus versos e minhas noites
mas nunca só: prefiro a alegria chorada dos bêbados à solidão dos abandonados
tenho sede
traga um veneno qualquer que alucine minha dor
eu trago (será uma resposta de alguém ou uma conseqüência de eu mesmo?)
acho que já estou bêbado
tenho sede e tenho pressa
traga uma branca pura
que hei de vomitar qualquer criatura: em verso ou prosa
‘a isto, um brinde
e trago
para alimentar meus vermes, tal candela,
para pensar nela
e pensar nela
para encontrar bukowski aqui dentro:
sento, sorvo, estremeço, recomeço, sinto e então minto para o papel
parece sina
que chova pinga de todos os céus
e eu serei menos pobre e mais bela serão as meninas
(se chover pinga, certamente os burocratas prontamente cortarão impostos sobre paraguas, não é poeta?)
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cuba tão
fosse esse dia o último seria ainda o primeiro a dizer bom dia
eles fazem a coisa bem difícil
eles fazem trânsito e burocracia, eles fazem inverno e lei seca
eles vestem gravatas apertadas em tons de anil e criam leis, eles dizem que é feio falar alto, rir alto, ficar bêbado e dizer piruetas
eles te proíbem de andar pelado
eles classificam de absurdo certos instintos: cheirar a fêmea, uivar à lua, desabafar emergências
boa tarde
se sua febre arde, não faça alarde, crie profundidades e auto silencie-se
é preciso três minutos de solidão seguidos de sete de tristeza à cada hora para entender o mundo
eles fazem a coisa tão complexa
são cheios de procurar
nexos,
sintaxes,
sentidos,
onde não há nada além de
instintos,
sexos,
feridas
é preciso menos cuidado com a vida: ela vale nada, ou quase nada, ou pouco
é preciso agradecer aos loucos, ajudar os bêbados, seguir os indigentes, abraçar os vagabundos: são eles a salvação para esse mundo
imundo
profundo ... socorro!
a cada verso morro (hoje estou sul desde cedo)
eles fazem a coisa bem penosa
mas na revista são todos tão alvos e altos e ricos e loiros e lindos e há tantos sorrisos
são tantas as fendas do mundo
e eles nos dizem para manter os pés no chão, pagar impostos, comer fast food na infância, visitar o mickey na pré adolescência, tragar marlboro na primeira barba, coca cola sempre, cocaína sometimes, hollywood com pop corn ou pop art ou art nouvelle ou s’il vous plaît shut da dam fuck up!!
w bush irá falar, sinatra irá cantar: shake that ass
consuma ou suma para cuba
(cuba tão longe
cubatão, perto)
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há além
acaba, que, por certo tanto de vida
- pela lida, pela sina –
vivemos por perto:
pelas redondezas:
acordar, ler as novas, ter com os nossos:
contos
ventos
terapias
fazer o pão,
tratar o verbo,
ir ao alpendre fumar, ver lua,
espiar a vizinha,
fazer conta, fazer polichinelo aos domingos,
alimentar o cão como que por instinto,
engordar no sofá,
passear em dia de finados e outros assim
consta, porém, que há além
aqueles tais que supomos, que pairam, que nos espreitam
tu, por exemplo, que daí me nota:
a quem reza, se reza?
a quem chora, quando chora?
a quem ama?
a quem chama, ao pôr chama na vela?
por quem vela?
por quê cala?
por quê canta?
em quem dança?
sai: vai ter com as crianças na lama
todo o resto, sobra, afinal
eu, por exemplo, que daqui anoto:
desde o início fui triste e sempre desenhei ilhas nos cadernos da infância,
já conheci umas doze delas
e ainda sou triste
menos quando percebo esses tais, esse além
porque ai até a tristeza balança (vira samba e jazz)
certa feita,
apressado na paulista,
ouvi um jazz,
risquei um cigarro
e desisti
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cheguei cedo a casa
descalcei, como de costume
e tratei de ler a tabacaria inteira
em voz alta
nu, andando para lá e para cá
havia, ainda, uma bolacha de dylan
girando
grave demais
assim como a tabacaria
grave demais
como deve ser
roubei, adolescente, um verso de pessoa
que não conhecia ainda, juro
mas serei julgado
e confesso: culpado
agora sento, é quase escuro
penso
serei eu mais pessoa
ou mais dylan?
ou serei eu tal o dono da tabacaria
que sorri
ou esteves
que acena e sorri?
não
sou, creio, a fumaça que soprou fernando ao pensar verso
fumaça do cigarro comprado à tabacaria de frente por esteves, dias antes, que esteve com fernando e o entregou em troca de um soneto
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o que vejo é o beco
o berro do beco
mas no berro vejo a linha do horizonte,
não vejo a baia, mas vejo maria (minha Glória)
minha paisagem é a passagem do sujo pra arte
e arde
não tenho bandeira
mas também tento ver além da fronteira.
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penso em ti como penso nas horas, ou seja: não penso
só sinto, ou antes: só sofro
e quando dou por mim e corro para abrir a janela, lá está a aurora rompendo
é como olhar para dentro e ver que você esta a brilhar
amo-te tão naturalmente quanto respiro
amo-te tão de instinto como sacio minha sede
amo-te e isso não me basta: amo-te mais
amo-te por decreto lei de mais alta instância
irrevogável
inegociável
amo-te e nem sei por quê
amo-te que dói
tal tschaikowsky ao entardecer de ilha bela
tal bukowsky sem gelo
tal qualquer subterâneo de manhatan sem tradução
amo-te com jazz, com samba ou com nada
amo-te tanto
todo santo dia
amo-te pra ontem, amo-te sem amanhã (porque amo-te tanto agora que não tem como querer mais)
amo-te, que mais?
amo-te mais
nos rios da bahia, nas baias do rio, nas streets de ny, nas praças paulistanas, nas areias de qualquer atlântico
amo-te tanto e isso não me basta: amo-te mais
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me nina com piar
menina
e seios
seus seios em meus sonhos
meus sonhos em seu sexo
e tão nossos
então nossos
e quando o leste, em aurora, perceber-nos
beba-me de teu
e tanto
acorde-me com canto
e pronto
fazemo-nos até a tarde
e arde (em arte)
fazemo-nos de novo
e novo
e calo e pronto: ao seu lado morro
amado
e pronto
como um tal
drogado, enfeite e dado
chama-me de seu
que sou
que sinto-te em mim
pois é
como essa terra em pirueta
ou esse céu todo a girar
bêbados de ti
tal eu
bêbados de ti
talvez
tal fez fermino faria eu
mas não: és minha
tal fez Napoleão, faço
marco em ti o que sou e o que sinto
ardo quente aço
pois digo, minto, repito: amo-te
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a fim de dar ordem numa certa terça feira em crepúsculo:
entorte o horizonte com o isqueiro
beg in a blind alley of NY, sem sair da cadeira
estique-se, seguidamente, até melar os dedos na nuvem
assovie qualquer chopin em ré maior
entenda o silêncio
desenhe uma morena que se sabe linda e faça três versos de amor
exija cerveja
esqueça seu próprio nome
agora discorde do silêncio e invente o nome de uma nova cor
pronto
mergulhe na noite, e esqueça-se na recriação
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sobre o arder
aquilo tudo que arde, antes nasce,
em silêncio
então faz tempo
faz junto: cria mundos
em outros silêncios
- esses com ritmos –
em musica, na valsa de dois
esse tempo de vida
que cria, que amplia, que brilha, que baila
aquilo tudo que baila, antes move-se,
talvez em dor
talvez em sal
para então saber bailar com mais fundo
nos mundos que criou
então gira
gira
gira
e volta
e volta-se pra dentro
de si?
do outro?
: do mesmo
nesse mundo, nesse modo de “nós mesmos”
nesse ser um que então é junto
desse modo, desse mundo
nessa maneira de dar nós
que cada um mais um encontra
aquilo tudo que encontra, antes mira
ou repara
e para
e encanta e canta
então chama pro baile
e gira
gira
e de novo gira
e novo
em voltas
que só fazem crescer os nós
e a chama
- enquanto um queima o outro envolve e amarra
e ama, e cama, e trama, e drama,
e plana
aquilo tudo que plana, antes decola
pela carne
pelo toque, pela pele
a tez
que antes sabia ser só uma
agora não quer mais ser só
quer toque
quer mistura
de bicos, de beiços, de pelos
de dedos
de dentes
nessa gente, agente, que é dois
que é dor
- porque doí –
que é deus
- no ateu de o ser –
mas que a dois, é vinho
é virtude
é poesia
no completo embriagar-se de baudelaire
que nos trança as pernas
nos confunde os caminhos
nos convida à lua
à valsa, à rua
nos preenche
nos transborda
mas nos rompe
quando parte
e parte, sempre parte
aquilo tudo que parte, antes arde,
e faz
como contei antes
e é por isso que dói
agora que jaz
já que arde ao contrário
e caminha pra longe
pra fora
pois parte
e sempre parte
seja por sorte
por morte
pro sul, pro outro, pro centro, por dentro, pro leste, oeste
pro norte
nunca é certo
incenso
sem senso
sem sentido, em sentimento, em instinto
queremos, antes sonhamos, antes buscamos
e erramos
e insistimos e encontramos
sem medo, com sede, com medo: buscamos o arder dos nós
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sina
há um abismo em cada silêncio
que grito por ti
construo castelos de mármore com ouro e marfim
mas durmo no fosso
com os roedores
converso com o mar e ele me conta seus lamentos tal mesa de bar
minha sina menina
é mirar a lua e enxergar novas cores
seis pingos de pinga:
a cada trago estrago a rotina
a cada minuto perco duas horas tratando uma rima
sina menina
me ensina a não ser
me ensina a voar, e te levo daqui
há um cheiro doce antes do sol nascer
me fascina menina
sua aurora e além
suas curvas e amém
conheço o jardim das palavras
escureço então, se amanheço deserto
por perto só céu
mesmo só, sou só seu
sina menina
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recado
boa noite meu amor
estou ligando só para ouvir a sua voz
tenho conversado imensamente com a sua secretaria eletrônica
ela me diz tanto
quase sempre eu fico em silêncio
mas ai ela para de falar, chega a minha vez e eu não sei o que dizer
então volto a ligar
e te escuto de novo
e de novo
qualquer dia desses, te peço, mude o recado
diga qualquer coisa, diga cachoeira, diga copacabana, diga esperança, diga pandeiro
diga o dicionário inteiro
que eu edito de forma que você volte a dizer o que me dizia pela manhã
mande, também, ao nosso endereço
uma foto sua de hoje
mande via postal e carimbe urgente
é que eu estou com saudade,
boa noite
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tenho versos por seus sorrisos, menina
tenho prosas por suas esquinas e vontade de seus meios
sinto profundidades por seus segredos
saudades de seu cheiro, eu tenho medo de seus cabelos
porque sou capaz de morrer treze noites em seu meio na próxima vez em que me afogar
tenho sorte por ser a morte amiga minha desde a infância
tenho danças em sua presença morena
licença, tenho crença em seus mistérios
te quero com mar da Bahia
te quero tal a mais simples poesia
menina que caminha em meu sonho
suponho ser seu cheiro meu pão
então seja seu corpo meu banquete
e seu seio minha siesta
quero um porre diário de lábios seus e uma ressaca tremenda em qualquer lugar do seu umbigo
quero ser seu amigo, amante, poeta, profeta, escravo
alto! sou além, venha ser assim, em mim também, tal par tal ar tal brisa quando a tarde é quente
menina, venha ser somente o que me completa e o que me desperta