AOS MEUS, escritos diversos na esfera familiar/pessoal
CARTA DE LUA DE MEL
carta aberta aos meus | 2012
ps ou antes
por tanto, passei a sentir uma enorme gratidão e às vezes tenho um tipo de vazio por não saber se um dia conseguirei expressar o tamanho sem ter que dizer um milhão de vezes obrigado, o que seria repetitivo e tomaria muito tempo. Esse vazio me preenche também por não saber ainda como retribuir, mas parece ser um bom desafio passar a vida tentando.
O mais gostoso é que tudo foi feito com prazer e gerou ainda mais prazer em quem fez, isso tenho certeza. Já escrevi duas cartas antes dessa, a primeira ao sujeito que escorreu a melodia que preencheu o jardim e a segunda para a moça que costurou a embalagem branca do melhor presente que a vida me deu. Nas duas cartas comecei dizendo assim:
“te escrevo por um motivo simples e grande, mais do que agradecer, eu senti vontade de dividir um sentimento com algumas pessoas que fizeram aquela tarde ter doses a mais de emoção do que eu estava esperando. Me considero um cara muito pouco tradicional e confesso que até pouco tempo me estranhava no papel de noivo engravatado que espera a mulher no altar ... mas, a mistura de algumas pessoas com boas ideias, outras com muito talento, um lugar perfeito e uma luz mágica deixaram aquela tarde com o efeito do verso que citei do Drummond no dia: pendurada no meu pescoço como um colar feito dos antepassados. É incrível a sensação de ser surpreendido por um momento que eu vinha antecipando e preparando há tanto tempo, e isso aconteceu. E de tal forma que lembrando daquele dia eu tenho uma alegria por aquela nem 1 hora de cerimônia ainda maior do que por toda a diversão e êxtase da festa (que já é gigante)...”
agora sim, aos meus, também assim:
imagine uma montanha russa, a mais assustadora (no bom sentido que é para uma montanha russa ser assustadora) que dura quase 2 horas sem perder o embalo e acaba em um penhasco. Na beira o carro breca e te ejeta no ar, e então você cai por outras 8 horas. Queda livre, vento na cara. Você quase sente medo, mas logo percebe que esta com o paraquedas, então começa a aprender a voar. Imagine a adrenalina que estaria correndo por suas veias, mas troque-a por um tipo de emoção que mistura amor e alegria. Foi isso, a montanha russa na cerimônia e a queda livre da festa. Todos me disseram que passa rápido, e é verdade, mas não me avisaram que não era culpa do tempo – o tempo dura o mesmo tanto – a culpa é da intensidade, da voltagem, da eletricidade que é extremamente carregada, do duelo emocional que é ter de decidir entre conversar mais com um amigo que é um irmão, ou com outro que veio de longe, ou dançar com um tio que não se vê faz tempo, ou brindar com a amiga cheia de sorrisos, ou brincar com as crianças na grama, ou com tantos outros que se quer tanto. É muita coisa boa junto com mais coisa muito boa. Pois logo após a queda livre abri o paraquedas e fiz um suave pouso no colo da bel em um deserto cercado por montanhas, umas com neve, outras que sopram fumaça, mas onde todas sabiam brincar com as cores do poer (prefiro poer que poente, mesmo errado) e a cada 3 minutos do crepúsculo um roxo, lilás, rosa ou azul surgia, independente se estávamos no meio de um lago de sal, ou pedalando, ou sorvendo um tinto. E por lá tivemos por 5 noites e a cada manhã tentava contar os grãos de areia do deserto para descobrir se eram mais numerosos que as estrelas que havia contado no escuro e então perdia a conta ou o dia acabava. Foi lá, aliás, que pela primeira vez vi os anéis que saturno usou ao casar e foi numa dessas manhãs, mas ainda antes da aurora, que também pela primeira vez vi uma estrela nascendo, e nasceu pelo cangote do vulcão Láscar, e então acreditei que moramos mesmo numa Terra que gira. Na verdade, pelo silêncio da noite que estou ou por algum qualquer outro motivo, me estendi. Agora corrijo indo direto ao ponto.
Alguns dias depois do deserto passamos por uma cidade de beira, que apesar de estar virada para o pacífico me fez lembrar e ter saudade de algo que não vivi (porque ainda não era nascido) e então pensar numa outra punta mais a este onde um casal passou sua lua de mel em meados dos setenta do século passado. Pensei e fiquei com aquilo trancado em mim enquanto andávamos, eu e a minha, pelas ruelas coloridas do vale do paraíso mirando o mar ao fundo e as paredes cheias de artes. Nessa noite, indo provar um sabor na casa de comida da esquina, recebi do chileno a carta para pedir a garrafa e nessa carta, assim como em todas as outras de todos os outros dias que estivemos naquela terra (e cada dia esvaziamos um vidro, ou mais) estava escrito:
VINOS
O que é natural em uma carta, mas por algum motivo o chileno em questão entregou a carta ao contrário e eu li o que vocês podem ler se virarem essa página de ponta-cabeça. O que dessa vez me colocou em um silêncio que fiz questão de dividir com a minha, mas que para tentar explicar aqui qualquer coisa parecida com o que eu senti eu teria de ler o Antologia General de Pablo todo em espanhol e mudar o nome para Neftalí e então para Neruda e morar cem anos em sua casa barco em uma ilha negra e então escrever com sua letra verde, e provavelmente, mesmo assim, não conseguiria. Então deixa, e deixo que cada um entenda como for preciso. Só posso dizer que o brinde foi profundo e o tinto só não foi melhor escolhido do que aproveitado.
Sobre o destino, nunca achei que estivesse escrito nos planetas que realmente rodam pelo zodíaco, como me mostrou o francês na noite do deserto, nem que foi ditado por um barbudo que toma vinho na sua nuvem, ou qualquer coisa que seja diferente do fato da água brotar de uma fonte, rolar cachoeira abaixo e um dia, de alguma forma, dar no mar. Sobre as coisas todas da vida prefiro acreditar no acaso, ou como disse um branco com quem conversei em uma sala verde e agora recorto do meu caderninho de notas: Houve então um quando em que o poeta falou do acaso, do acaso que há na vida “não está nada escrito, a vida é uma invenção. Pode dar certo ou pode dar errado: uma sequencia de acasos, um negócio meio aleatório”, seguiu dizendo que a vida vai se formando da relação do acaso com a necessidade e que “fazer poema é fazer do acaso uma necessidade. Assim é o quadro, assim é a arte, assim é a vida. E, a cada palavra no poema, ou a cada escolha na vida, o acaso, ou o imponderável, fica mais restrito”. Também acho que nada está escrito, mas, claro, posso estar errado e a verdade pode ser que está tudo escrito, o que no fundo pouco importa, afinal nunca saberemos a quem pedir o livro para ler o nosso capítulo, portanto nessa tanta confusão que criei não sei bem porque o que posso dizer como obrigado é que foi um prazer dividir aquele 16 com cada um de vocês, que é muito pouco provável que um dia daquele se repita, o que não significa que ele foi o melhor, ai vai do que cada um de nós fizer da mistura do acaso com a necessidade e quando for o caso de um outro momento “queda livre de emoção” chegar, aconselho a todos fazerem o que eu fui aconselhado a fazer, pouco depois dos dezoito e pouco antes do meu primeiro salto de paraquedas: abra bem os olhos, deixe os ouvidos alerta, sinta o cheiro do frio lá de cima, respire sempre fundo, abrace os seus, e ao mergulhar olhe o horizonte, o céu, o chão que se aproxima, a lua, o sol e então olhe tudo de novo, olhe a pessoa ao seu lado direto nos olhos, deixe o vento entrar pela boca e alargar as bochechas, deixe o ar te embalar e aproveite cada sensação, instante e susto por que se por acaso o pano não abrir ou uma pneumonia infecciosa aguda e dupla lhe chegar de surpresa, você não vai ter se arrependido de ter pulado.
Pule sempre e observe sempre o sorriso que está ao lado, se possível nos convide para esse pulo, aliás nos convide também para comer mais mel do sítio, brincar mais com as crianças, correr cedo na praia, te ajudar a preparar um prato novo (nem que seja só para cortar as cebolas), acompanhar o piar dos pássaros na varanda, andar por umas horas a cavalo, ou no carro novo, ou sem rumo na praia, pegar uma onda, passear com o cão, ou conversar com o gato, discutir futebol, politica, religião, horizontes ou poesia. Estamos ai.
Desculpe, a coisa começou com uma e está terminando em outra. Para que fique ainda mais completo, convidei a bela para ajudar esse parágrafo que passou e para que fique um pouco mais confuso pensei que melhor do que escrever uma carta para cada um que gostaríamos de entregar seria escrever duas e mandar uma para cada lado. Ai, como diz o Gabriel, “que tal” se o primeiro de cada lado que receber passar para algum alguém que esteve conosco naquele 16 e que talvez por um qualquer possa também gostar dessas linhas, que tal? Assim você encontra alguém e diz olá. Está contigo, você decide se quer guardar, devolver, queimar ou passar.
E só para ajudar a sua dúvida abaixo colo um texto que ainda não decidi se é um poema do deserto ou só uma espécie de sequencia fotográfica, só que sem imagem. Um Beijo, (obrigado), deco&bel.
quase uma hora perdida
são 17:47 quando sento para mirar o fim do dia
o que penso ser o licancabur esta ainda completamente iluminado
a primeira moita de sua base começa a ser banhada pela sombra do vulcão à sua esquerda
ainda não decidi se ele esta mais marrom ou mais avermelhado, e como demoro, a cor muda
há neve em seu topo, menos do que ontem
outros picos menores mas com mais neve colocam-se ao seus pés e logo lhe tomarão em sombra
agora me decido pelo vermelho, são 17:53
o platô que estende-se à sua direita está completamente tomado pela cor que agora faz uma batalha com o negro da sombra que se aproxima do outro lado
mais à direita, os outros vulcões ganham roxo
mas seria melhor não dizer sobre as cores
são 17:58 e agora vejo que há fumaça brotando do láscar, como sempre há
ele está em seu último gole de roxo e parece não se importar em cair no breu
o que penso ser o licancabur é o único ainda a mirar o sol, são 18:01 e ele não parece desistir
o roxo, abandona as montanhas para banhar o céu logo acima
enquanto o negro da noite que vem o empurra cada vez mais para o alto
são 18:03 e o que penso ser o licancabur mergulha na sua noite
ainda não posso ver nenhuma estrela, mas elas já estão lá
o céu logo acima dos vulcões parece se esquecer que deve escurecer e ganha um tom de azul pacífico
fui informado de que a noite cai rápida no atacama,
mas não me importo
por um minuto e meio se fez um silencio completo ao meu redor
são 18:08 no deserto e o azul ainda está, o roxo ainda está (porém quase cinza) e eu ainda não sei
esse é o meu terceiro deserto e ainda me ponho nervoso
parece que hoje as estrelas não querem, cansaram por tanto causar ayer
o frio tenta me vencer
o roxo me abandona, mas o canto do céu que deveria vir negro, vem ainda em azul pacifico
o licancabur não se importa
o sauvignon blanc esta quase acabando e isso sim me preocupa
são 18:15 e se alguém agora acordasse de um coma profundo pensaria que estaria vindo aurora
mas mesmo assim algumas luzes se acendem em um pueblo distante
as pessoas preparam o jantar e acendem a fogueira sem prestar atenção que ainda não ocorreu nenhuma estrela em toda metade leste do céu do atacama
o azul domina por todo, em um tom profundo, mais negro que o pacifico que ainda tenta a sorte pelo topete dos vulcões mas já sem tanta certeza
sao 18:20 e o meu vinho acabou
então surgem duas estrelas, são 18:21
creio que sejam aquelas duas logo ao lado do cruzeiro do sul que ajudam a desenhar a rosa quando estamos pedidos ou apaixonados (o que da na mesma)
ontem, em um escuro do deserto, me apresentaram mais de perto a uma delas e descobri que o seu brilho, que parece um, é na verdade fruto de duas estrelas absurdamente distantes entre si, mas como estão ainda mais absurdamente distante de nós, parecem ser a mesma
o que me faz pensar em algumas curvas da vida
parece que o negro convenceu o azul em rendimento
são 18:26 e ainda vejo o que penso ser o licancabur
como ainda vejo toda a cordilheira dos andes, que infelizmente não me lembram o corpo de minha mulher deitada, apesar de ver alguns seios
são 18:29 e posso decretar que a noite esta feita, porque apesar de poder ver o perfil do que penso ser o licancabur, não posso mais ver a mão se a estendo ao fim do braço
outras estrelas brotam, e sim, a primeira foi a vizinha do cruzeiro do sul que agora mostra seus quatro braços
são 18:36 e o que penso ser o licancabur ainda tem o seu perfil mais escuro que a noite sobre nossa cabeça
passa um cão
faz vento
penso ver marte
todo o resto, inclusive o que penso ser o licancamur que agora, as 18:41, é apenas uma dúvida, parece ser breu.
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POEMA PARA IRMÃ QUE É, TAMBÉM, MÃE
IRMÃE | 2005
substântivo fêminino: designa aquela que ama,
que olha, cuida, que causa amor, que causa
carinho ... satisfação; aquela que pelo sopro do destino,
pelos jogos da vida e também por
vocação natural e puro instinto, torna-se mais
que irmã, que parceira, mais que amiga, quase,
ou tanto, mãe.
IRMÃE
paralelo do que fui, sou, serei: semprejunto, seja
qual for a distância, sempre o mesmo sentido.
representa o sentimento de querer bem, de ser eterno,
de semelhança interna: sangue - a vida que pulsa em
um é a mesma que jorra no outro, como sendo
apenas um, comum, pulso de amor.
IRMÃE
sinônimo daquilo pelo que se vive, da razão, da base,
daquilo que realmente vale ser, sofer, viver.
designa o que é íntimo, quase individual
de tão próximo.
se existe amor de mãe, aquele que nasce do grito de dor,
ou antes ainda, existe também o amor de irmão que nasce
não se sabe quando, nem como, não se sabe nem se
nasce de fato: parece já vir imposto à irmandade.
e é um sentimento fácil de se sentir, natural
de se expressar e impossível de se esquecer, pois é alimentado
a cada dia de saudade e a cada gesto: um beijo,
um sorriso, um tapa, o abraço, o adeus, um prato,
um poema, um favor, uma ameaça - todos os reflexos
naturais de dois resultados diferentes de uma mesma mistura.
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POEMA PARA SOBRINHO QUE NASCE
um chorinho foi o mais belo samba desse carnaval | 2010
o sol já era em canto do céu, a tarde minguava lá fora: a noite era quase
parecia ser janeiro, pela esperança, pelo verde da vida
a família reunida em um corredor branco
rezávamos? meditávamos? creio que sim, além
fazíamos versos onde sol e lua e vida e flor e estrela e mar e sorte e amor rimavam com gabriel
gabriel nadava nas entranhas de minha irmã
grabriel apenas nada
e tudo
e tanto
e temos tanto a te mostrar (ou será o contrario?)
eram dezoito e catorze do vinte e três de fevereiro de dois mil e nove, olhei ao céu: o sol em peixes, a lua, mercúrio, marte, júpiter e netuno em aquário, vênus em aires, saturno em virgem, urano em peixes, plutão em capricórnio
a gravidade, a vontade, a vida
gabriel cansou da tranqüilidade do ventre, quis mundo
então o silêncio esqueceu de calar-se e um chorinho fez o mais belo samba do carnaval
gabriel nasceu
decretem feriado em pleno feriado
vamos sambar o resto do ano
vamos brindar com vodka, cachaça, leite e poesia
que todos os carnavalescos mudem o tema de suas escolas, ainda é tempo
vamos sambar o pequeno menino de vastos cabelos e olhos fundos
gabriel nasceu
minha irmã é mãe: irmãe mais do que nunca
o pai, flutua
e se alguns anos antes eles deixaram de ser um para ser dois em comum
agora
os dois são três e os três são um
e minha irmã, pela janela, além de mãe era sorriso
e meu irmão, pela janela, além de pai era sorriso (e víamos isso mesmo com a máscara)
e meu sobrinho, pela janela, além de vida, era vida e é vida
e desse lado da janela eram todos sorrisos
todos promovidos em seus cargos: tios, avós, avôs, tias, bisas
parece que a vida tratou de brisar nessa tarde
parece que a noite tratou de pousar com estrelas
parece que há uma estrela na noite que brilha mais,
e espia
e sorri
parece que há no céu uma estrela-avó, feliz a rezar gabriel
gabriel nasceu
gritam os anjos e os foliões
gabriel nasceu!
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DISCURSO DE CASAMENTO | 2012
, uma vez eu vi uma peça que me marcou muito. Chamava-se “não sobre o amor”. Era sobre um russo que trocava cartas com a mulher que amava. Ele não conseguia deixar de escrever sobre o amor que sentia, até que ela pediu para ele escrever .... não sobre o amor. O problema é que quando estamos longe do que amamos, é como o russo falou nessa peça: parece que a cidade, o dia e o mês têm o nome daquela pessoa. O amor vira ausência e nos domina.
Eu já escrevi muito sobre o amor que sinto, e quando revirei algumas coisas para decidir o que ia dizer hoje, o que achei de mais interessante foram textos escritos quando estivemos separados, quando a bel morou fora, quando havia saudade.
Isso tudo me fez pensar que o amor bom é o que se vive... e pronto. É aquele que acorda junto num sábado de chuva para dormir mais, é aquele do beijo leve sem motivo, do carinho espontâneo, do toque, do silêncio. O amor costuma falar muito no silêncio. O amor se explica melhor quando é vivido, faz mais sentido e pode ser mais sentido em um olhar do que em um “eu te amo”. Portanto, sobre o amor não há muito mais o que dizer, mas ainda há muito que se viver.
Essa coisa que sinto, que deixou de ser sentimento, para ser instinto, como é a fome, a sede, o frio, é muito complexa para ser equacionada, resumida ou mesmo botada em verso. Já disseram que “amor é fogo que arde sem se ver”, ... mas eu acho pouco.
Então sobre o amor, hoje, eu prefiro não dizer, e apenas seguir vivendo com essa moça.
Mas antes de falar dela, eu queria lembrar o que vem antes.
E para saber o que vem antes, precisamos olhar para trás.
Quando olho, vejo meu pai, minha mãe, minha irmã e outras pessoas queridas com os cachorros procurando ovos de páscoa num jardim em campos do jordão, ... e isso sempre me deixa feliz. A bel deve olhar e ver uma cena parecida, talvez na praia do engenho. Foi isso o que nos formou, o que nos fez ser assim, como somos e nos trouxe até aqui.
Principalmente as pessoas. A minha irmã, que por um acaso e por vocação virou irmãe, a minha mãe que hoje é uma presença azul e, além de mil coisas, é a responsável por essa minha paixão por sorriso e, principalmente, o meu velho, que é o meu espelho. Eu sei que não precisa, mas gostaria de declarar aqui o orgulho que eu sinto quando dizem que pareço com meu pai e a gratidão que sempre terei pelo que ele me proporciona, e principalmente pelo que ele me representa. Obrigado.
Aos Pimenta Bueno, só posso dizer que é uma honra entrar para uma família tão cheia de sabor e de alegria. Em especial para a Lilian que é a grande responsável por esse momento que estamos tendo aqui agora.
Alias, soube que a mãe da minha sogra, que não por acaso era doceira, vivia dizendo que na vida é preciso cometer um bocado de loucuras em nome da felicidade, loucuras em busca de momentos de felicidades.
Eu espero que essa noite seja isso, um grande momento de felicidade e celebração e que essa felicidade seja também a nossa homenagem a todos que não estão aqui.
Enquanto estava revirando o computador, redescobrindo textos antigos eu encontrei um email, quase um bilhetinho, datado da meia noite e um minuto do dia 16 de Julho de 2005, há exatos 6 anos e 11 meses portanto, vindo de uma tal “bel morena”, que dizia assim:
“Em um daqueles dias...
Abro a janela ao jardim e lá estavam os amores incompreendidos
As flores choravam a cor da tarde
E o céu se perdeu no tamanho dos meus olhos”
Eu acho que é Clarice, e Bel, quando leio isso hoje agradeço aos jardins, às flores e às tardes que passamos juntos e que nos fizeram compreender o nosso amor e que me fizeram mergulhar no céu dos seus olhos e sorriso.
Parece que essa será mais uma dessas tardes, de jardins e flores e, melhor, muito boa companhia.
Sempre que percebo que eu estou vivendo um momento marcante, além de tentar vivê-lo de forma mais intensa, me vem à cabeça um poema do Drummond chamado Tarde de Maio, e quero dizer o primeiro verso para que todos possam “carregar” essa tarde ou qualquer momento especial dessa forma. Ele diz assim:
“Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos, assim te levo comigo, tarde de maio.”
Aqui estamos hoje, nessa tarde de junho, para formalizar o nosso amor,.... como se precisasse... aqui estamos hoje na verdade para celebrar o nosso amor, com nossos amigos, com nossas famílias, com nossos deuses, seja cristo, adonai, oxalá, jah, iemanja, ou essa árvore: mas que sejam grandes.
Na mesma peça que eu comentei no início, o russo diz que “as melhores palavras estão pálidas de exaustão”..., mas elas continuam sendo as melhores e mesmo pálidas, são adoráveis. A bel entrou hoje aqui com um sussurro originalmente soprado por Pixinguinha, há 95 anos, e que pelo que soube ganhou letra anos depois pelas mãos de um mecânico chamado Otávio de Souza, que abusou das melhores palavras. Quando a bel decidiu por essa música eu prestei atenção na letra e fiquei quase bravo, porque eu queria ter escrito esse poema para ela – mais uma vez como disse o russo na peça “eu queria escrever como se a literatura nunca tivesse existido”, mas como não escrevi eu cito aqui um trecho, que eu gostaria de dizer para ela todos os dias pela manhã:
“Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa do amor, por deus esculturada e formada com ardor da alma da mais linda flor de mais ativo olor, que na vida é preferida pelo beija-flor. Tu és a forma ideal, estátua magistral do meu primeiro amor. Tu és a soberana flor, tu és a criação que em todo coração sepultas um amor. O riso, a fé, a dor, em sândalos olentes cheios de sabor, em vozes tão dolentes como um sonho em flor.
És láctea estrela, és mãe da realeza, és tudo enfim que tem de belo em todo resplendor da santa natureza.“
Poderia falar ainda muito sobre essa moça, mas hoje quero deixar mais tempo para dançar com ela – porque nós dançamos muito mal, mas nós dançamos muito. Só faço questão de registrar um desejo, para hoje, amanhã, agora e sempre: desejo que essa menina que sorri, que respira alegria, mantenha esse sorriso sempre aberto e essa alegria cada vez maior e, principalmente, que eu seja capaz e que mereça, hoje, amanhã, agora e sempre manter esse sorriso crescente e aberto ao meu lado, hoje, amanhã, agora e sempre.
E, para finalizar: A Bel me disse que não sabia se ia conseguir falar hoje. Mas vai ter que falar. Pelo menos uma palavra! Bel, presta atenção que eu vou te fazer uma pergunta complicada, mas para te ajudar dessa vez vou fazer em português: quer casar comigo?
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CARTA AO SOGRO EM PRÉ-OPERATÓRIO, E À FILHA DELE | 2010
o homem bom, ou sobre o homem que desafia pássaros em assovio.
: o caso é que eu tenho um sogro e o sujeito é do tipo que, acabado o almoço de domingo, logo após o café, procura o melhor sentar do alpendre e desafia os pássaros em assovio pelo resto do poer. Não raro sagra-se vencedor. E a cena é tal que os de asas calam-se bem antes do crepúsculo - como manda o ditado - só para ter o cair da cortina ao som da melodia humana. É normal que muitos dos outros homens na varanda não percebam o dançar da brisa, o que certamente, deve inquietar a fé dos pássaros. Ainda hoje ouvi que esse meu mesmo sogro vem a ser a mais bondosa pessoa viva, ou ao menos conhecida por essas redondezas, o que me fez pensar durante todo um elevador em queda. Lembrei, então, do meu avô e então do meu porteiro e seu bom dia e até de um outro tal, mas tudo tão rápido e passageiro que concordei e conclui que ali havia uma porção extra de bondade. Talvez seja por isso mesmo que tenham que abrir aquele peito e investigar melhor do que é feito, deve ser essa a razão daquele coração precisar de um remendo para continuar a bater assim tão intenso nesse nosso mundo de curvas. Eu tendo a crer que a culpa é do mundo. Não do coração. Não do homem. O conto parece sério então colocam o homem deitado calado no meio dos seus e de tantos de branco e ordenam que decida o caminho. Amanhã ou depois o deitam em outra cama, lhe abrem ao meio ou lhe invadem os túneis para saber o que é que há. Mas ninguém pensa em abrir ao meio o mundo para saber o que há? É claro que isso me tira o sono, me faz sorver o merlot do gargalo: não há motivo para se levantar a taça. Contudo entro em minha preocupação e tento buscar onde ela pesa mais e esse investigar me aquieta. Por certo quero longa vida ao homem bom, por ele ser bom simplesmente, simplesmente por ele ter o respeito dos pássaros, o respeito de tudo que soa, o respeito de tudo onde há o bom. O quero tanto assim por ele ser o criador daquela menina, o meu poer, a minha aurora, melodia, minha sinfonia, minhas tardes de domingo em varandas de assovio. E por eu querer mais sinfonias e mais auroras e mais melodias e mais assovios em tardes e mais da minha menina em minha vida, eu quero o bem do homem bom. Talvez, então, seja um querer egoísta. Mas não: é um querer de filho que quer o bem do pai por puro instinto, puramente por querer o próprio bem. Então sento, penso, tento e lento faço além: faço desse meu querer e desse meu surrar no papel a minha prece, a oração que nunca me ensinaram, ou que desaprendi por descrença, declamo aqui com carlos e por carlos com alberto e por alberto, sejam eles drummonds, caeiros ou buenos: todos e que por eles e para eles seja sempre o verso, a melodia e o sorriso o ponto maior dessa nossa grande dança...
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DISCURSO DE VELÓRIO, para o adeus de meu avô | 2005
epitáfio
Há algumas semanas a tia dri me pediu para dizer umas palavras nesse momento. Ao mesmo tempo em que aceitei com muito orgulho, de lá para cá fiquei com o peso dessa responsabilidade me cutucando.
São dois temas muito complexos e de difícil entendimento: a morte e o Jojô.
Sobre a morte, das muitas duvidas que ela me traz até hoje só consegui ter uma certeza: ela não representa o fim da energia da pessoa que leva, e isso, em relação ao jojô, fica óbvio quando olho para cada um de seus filhos, netos, amigos. A energia dele, ou qualquer coisa parecida e que certamente vem dele, mora em nós e faz parte do que somos, e isso será sempre nosso na medida que é um pedaço daquilo que nos forma. Essa mesma energia vive ainda em seus quadros, esculturas, naquela ilha bela inteira e em tantas outras coisas que ele deixou para nós e, principalmente, em nós.
Nesse último domingo sentado no deck da ilha bela fiquei olhando aquele jardim de mar azul e dourado que ele tinha lá, ouvindo um de seus discos de música clássica, vendo detalhes em seus quadros e lembrando de alguns momentos que tivemos juntos: quando ele brigava se entrássemos molhado na casa, quando li para ele, já no hospital, um Neruda que dizia sobre o dever do artista e consegui um sorriso em seu rosto doente, quando ele regulava os seus preciosos escargots ou suas deliciosas burecas, quando presenciei com uma mistura de dor e alívio seu último suspiro e, especialmente, quando, diante do seu quadro de que mais gosto, ele me traduziu a frase pintada na tela da seguinte forma: essa rosa, ela viveu o que vivem as rosas no espaço de uma manhã.
O jojô viveu bem mais e tanto quanto a rosa, o espaço de sua manhã durou 80 e tantos anos e atravessou alguns paises, algumas guerras, diversas línguas, muitas obras, grandes desafios, certamente alguns erros e arrependimentos, mas com certeza muito mais bons exemplos, como a sua forma turca de demonstração de amor e carinho, seu jeito judaico-otomano de conquistar o que queria, sua criatividade artística, sua capacidade de pequenas grandes invenções, sua honestidade direta e as vezes “exagerada”, o enorme poder de atração que tinha sobre todos a sua volta quando ia contar alguma história, os ataques de riso que tinha antes mesmo de conseguir terminar de contar alguma dessas historias, seu amor a Turquia, à boa comida, à boa música, à boa companhia, à boa arte: seu amor à vida.
Será disso que sentiremos saudade, mas, como disse antes, não devemos sentir falta dessas coisas porque elas estão dentro de nós, elas fazem parte do que somos, nos formam, graças aos momentos que tivemos em sua companhia ... então quando a saudade bater basta olharmos para dentro e sentir essa energia pulsando para fazer do resto das nossas vidas uma homenagem à ele e uma demonstração do nosso orgulho de sermos todos seus descendentes.....
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BEM BREVE SOBRE NASCER DE FILHA | 2017
durante o baile, música após música, a vida nos tira para dançar em diferentes ritmos.... então faz-se o silêncio,
damos uma longa inspiração,
e um chorinho nos envolve
nesse instante percebemos que toda nossa vida até aqui foi apenas um grande e lindo ensaio: é agora que começa o verdadeiro ato!
bem vinda minha filha, parabéns por essa semana de grandes conquistas e obrigado minha xica por ser essa menina-mulher-montanha!
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POEMA DE FAMÍLIA EM ILHA | 2004
familha
a família cerca a mesa
e saliva
pelo pastel e pelas lesmas do velho
o turco só não é o menor dentre todos
porque a neta não veio de salto
mas é um gigante
e na profundidade dos recém oitenta e cinco
exclama
proclama
envolve e reclama
quinze almas, treze de corpos presentes
o patriarca e a nova mulher
a filha caçula
genro e casal de netos
o filho do meio
nora e casal de netos
o primogênito
e casal de netos
a moça que falta: espia sorrindo no canto
só, a mãe de todos
está distante, mas presente em cada olhar
o sangue do velho multiplicou-se
em doze mundos
uma dúzia de universos para sempre paralelos
dose
deve-se fazer mais lesmas
e pastel,
o turco já disse:
só três para cada um.
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CARTA DE AMOR E PARABÉNS | 2008
gibraltar rumo leste
preciso que essa noite dure seis meses
ou seis anos
ou seis vidas
vamos passar as próximas seis vidas juntos?
ou sete, que tal?
estou com saudades de você, mesmo junto sinto saudade. tenho febre, tonturas, sono e felicidade extrema, tenho pressa de você. o que vai fazer amanhã? quer ser mar comigo ontem? vamos alugar um balão e percorrer o mediterrâneo? partimos de gibraltar (pegue o mapa) antes da primeira hora, rumo leste (onde mora a loira aurora), cruzamos o estreito: áfrica, seguimos sempre pela costa, a primeira parada será para café da manhã e mantimentos em alguma qualquer vila marroquina, então seguiremos para a primeira noite entre as luzes das estrelas no teto e as da capital da argélia no chão. será uma espécie de poesia aérea, versos livres, mãos dadas, beijos, desejos e toda as conseqüências. deixamos logo cedo o vento fazer sua vontade por todo o topete africano, talvez tentemos a sorte virando a direita Nilo à dentro para jogar pétalas sobre as pirâmides, então tocamos até a curva do mar, passando sobre israel, líbano, síria, a terra de meu avô, as ilhas gregas, uma pizza ao sul da bota e então uma pasta com os descendentes de enzo molinare em taormina. um café em mônaco, uma paella em barça, uma dança em ibiza, um picnic na praia de salvador dali e então de volta ao estreito, nos olharemos: eu áfrica, você europa.
ali, na pequena gibraltar precisarei de 3 dias e farei uma charrete, laçamos dois cavalos de sangue bom e seguiremos ao estomago da espanha, passando pelas montanhas e vales que iluminaram cervantes, o vento tremendo a juba dos dois alazões albinos. de charrete, sem pressa, com sol ou lua iremos para madri, zaragoza, então um vinho em tolouse, um baudelaire em lyon, uma baguete com queijo e mostarda em dijon. trocamos os garanhões por uma motoca na fronteira com a alemanha, com vento na cara e jaqueta de couro passamos por stuttgart e você me leva para um tour em praga, uma ópera em viena, uma caminhada em budapeste, de vila em vila eventualmente chegaremos em moscou. lá, uns três dias de vodka e lênin e, de trem, partimos para as planícies da mongólia: alugaremos a melhor cabana no deserto mais remoto onde humano nenhum possa nos chatear e veremos o céu girar sobre nossas cabeças até cansar. da mongólia iremos para casa: china. caminharemos sobre a muralha em um beijo longo até o litoral, onde o veleiro nos espera. por mar: vietnã (onde lhe contarei minhas aventuras na guerra), tailândia (onde faremos banquetes a beira-mar), malásia (onde exerceremos o ócio), indonésia (onde lhe mostrarei o universo que existe por dentro de uma onda), sri lanka. lá te levo até a montanha onde adão ou shiva ou buda (depende da luz que te ilumine) pisou na terra quando desceu do céu, te apresento uma turma e vamos montado em elefantes até a índia pelo caminho de ilhas-pedras que hanuman fez quando, fazendo o caminho contrario, veio resgatar a amada sita das garras de lanka a pedido do nobre rama. na terra do mahatma , caminhamos entre shivas e ganeshas e durgas e krishnas até um mergulho no ganges, então fazemos amor no jardim do taj mahal.
mas se por acaso achar isso tudo muito louco, muito caro, se estiver com a vida muito corrida, não tem problema ... marcamos um grito a meia-noite no X da juscelino com a faria lima: eu centro, você bairro. seremos nós e pronto, seremos completos.
te amo por instinto. acordo e lembro algumas burocracias: escovar os dentes, ver as novas, chamar o elevador, desviar do transito, buscar o pão, lidar com humanos, tratar com estranhos, despachar detalhes, lembrar lendas, e tanto ou quanto mais. nesse mesmo tempo os graves me ocorrem por instinto ou intuição: respirar, ter fome, ter sono e ter amor por você. a fome não dura mais que uma pizza, o sono não sobrevive à concha, mas o amor é ainda mais grave que a falta de ar, o amor é um ataque de bronquite-rinite asmática fulminante, só que bom. o nosso amor é bom, é flor, é nuvem, é cachoeira.
se as melhores palavras estão pálidas de exaustão, como disse aquele russo, a culpa é também sua isabel. você torna as melhores palavras obrigatórias a cada frase, queria ser um lingüista e fazer um dicionário de palavras novas e perfeitas que ajudassem a lhe definir. “queria escrever como se a literatura nunca tivesse existido” queria te falar de amor sem jamais ter te mostrado vinicius, ou drummont, ou camões, ou pessoa, ou bandeira, ou qualquer um que tenha rimado amor com cor em poesia. isabel eu queria ser um poeta de verdade e fazer um soneto sobre seu sorriso pela manhã, queria ser um escultor e te fazer em miniatura (mini-xiné) para levar no bolso todo dia e poder olhar quando estiver nublado, queria ser shiva e lhe dar uma abraço de seis braços, queria ser a pinta do seu ombro esquerdo e ser contigo o resto da vida. queria ser seu, e sou. queria te ter, e tenho. feliz vinte e três. meu amor.
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DISCURSO DE CASAMENTO | 2005
(funções do sorriso - para o casamento de tha e degas)
com muito orgulho fui escolhido pelo casal para dizer algumas palavras, representando o lado Adjiman dessa festa. Lado esse que, na verdade, a partir de agora, deixa de existir. Porque agora todos nós, famílias e amigos, estamos do mesmo lado: do lado de dentro dessa união.
Acho que fui bem escolhido, não sei se vou falar as coisas certas aqui, por que pensei muito nisso e quando sentei pra escrever não foi nada fácil, só digo que fui bem escolhido porque estou ao lado da tha há 27 e não tenho duvida que ficaremos para sempre, eu, ela e meu pai. Hoje oficializamos a sua entrega....e fazemos isso com uma enorme felicidade.
Antes de qualquer coisa eu queria agradecer ao degas, porque ele cometeu a magia de deixar uma pessoa linda ainda mais linda.
Digo de novo, conheço ela há 27 anos. Há 27 anos vejo abrir o seu sorriso e nesses últimos tempos ele ficou mais brilhante, como se jorrasse ainda mais felicidade.
Há muito o que falar sobre o casamento, seus simbolismos, suas tradições, sobre o desejo do casal de ficar mais junto, de dividir tudo e todos os momentos. Acho interessante também a vontade que move o casal no sentido de receber o reconhecimento e a benção da sociedade, dos deuses e das leis, como que se anunciasse em alto e bom som: a partir de agora deixamos de ser UM para ser DOIS em comum ... mas hoje eu prefiro falar sobre um detalhe de tudo isso, porque sempre acreditei que são os detalhes, as sutilezas que revelam e que mantém o amor, e aqui vai o meu único conselho pro casal: valorizem os detalhes da relação, porque nessa nossa vida maluca não há nada maior do que as pequenas coisas.
O detalhe que mais gosto nesse casal é justamente o sorriso, e, sem dúvida (apesar do degas ser um cara bonitão!) o sorriso mais gostoso e mais bonito é o dela. Observando esse sorriso eu decifrei algumas de suas funções que gostaria de dividir com vocês.
A primeira função do sorriso, quase que totalmente física, é evitar que o corpo exploda de alegria. Na verdade o corpo explode, mas ao invés de se rachar ele simplesmente vaza em sorriso...
A segunda é a função de espalhar felicidade. E felicidade tem um problema grave: é altamente contagiosa, e pior: causa dependência séria....se alguém de quem se gosta está feliz, isso nos contamina de forma poderosíssima e nos vicia para sempre !! O sorriso da Tha é como uma bomba biológica que contamina as pessoas com sua felicidade e beleza...
A terceira função, e talvez a mais bela, é a homenagem que esse sorriso presta a um outro sorriso. Algo muito mais valioso que qualquer reza, qualquer vela ou qualquer flor, o sorriso da minha irmã, que é a sua felicidade estampada, é uma homenagem e também uma oferenda ao sorriso da nossa mãe. Sem dúvida o sorriso mais belo que já conheci, que infelizmente deixou de se abrir há alguns anos para ficar para sempre dentro de nós. Muitos aqui conheceram esse sorriso e certamente lembram de seu brilho, outros não tiveram essa sorte, mas eu quero que todos saibam que grande parte dessa felicidade que estamos sentindo agora é obra dela, porque eu tenho absoluta certeza que minha mãe sorri aqui conosco, dentro de cada um de nós, com muita alegria e orgulho. Que nossa felicidade seja então em homenagem a ela e também nosso agradecimento por toda a força que ela transmite.
Sei que a saudade gera sempre um pouco de tristeza, mas aprendi também que a lembrança de algo lindo transforma essa tristeza em uma alegria muito maior.
E é justamente com essa alegria que eu peço a benção de todos os cristos, adonais, budas, shivas, marias, iemanjás, oxálas e eteceteras e proponho um brinde para que a vida da tha e do degas seja cheia de detalhes maravilhosos e recheada de sorrisos verdadeiros, com muito companheirismo, saúde, paz e principalmente amor.
Ao casal.....mazeltov!!!!!!!!!!
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CARTA DE TÉRMINO DE NAMORO | 2005
CARTAemBLUES
Fica comigo aquilo seu que é meu
ou nosso, que foi
de nós juntos, em um, como um, comum.
Que fique ai, circulando, pulsando, tudo que te dei, quando me dei como eu, para ti, sem sentir, apenas por dar, por ser natural, à hora, eu me dar
como quem dá um instante ao sol
num dia frio, chato, num dia sem muita razão, então
paramos ao meio da rua, a meio caminho, ao meio dia e fechamos os olhos para sentir o sol arder
a carne.
Aqui terei comigo, ainda,
o todo que resta, esse não pouco que me testa,
daquilo que rimos e choramos, então,
e sentimos quando era assim,
tanto à ti, quanto à mim,
uma forma (desforme, indolor, multicolor e de cheiros que só posso sorrir ao lembrar) de se mesclar,
e, então, ser
juntos,
o que éramos,
o que quer que seja que éramos,
e não mais somos,
e que não sei saber o por que.
Deixo pra ti, o mesmo,
na forma de qualquer forma que isso reflita em ti,
saudade, que seja,
do jeito que éramos ao amanhecer
da maneira que tínhamos quando chovia e fazia frio lá fora.
deixo, à ti,
toda essa poesia que me cutuca
e resgata,
que me devora e
vicia.
São suas, também,
além,
as poucas frases que não soube dizer,
as palavras que ainda não sei transbordar e que ecoam em cantos estranhos de meu corpo (como agora), de minha alma e
entranhas,
e estranhas
as estradas de todas as outras que soube versar,
peço que as guarde
que aguarde
pois ainda creio no ainda que vem, e além,
é quase certo que a aurora também.
Amém.
Amei.
Isso é meu, não há como não ser meu, se é
tudo que tenho
se é do que dependo.
guardarei, como a um rebanho, os momentos da beira do mar
mesmo sendo
momentos
que à essa hora,
ainda sem luz da nova aurora,
dói lembrar.
mas amei, disso estou certo, ainda que agora
finda nossa fantasia,
parece difícil de crer.
Deixo as lástimas dos deuses,
a ti,
e todas as lágrimas que rolamos e as tantas outras que guardamos,
faço delas um colar
e cubro teu corpo, enquanto nu, como roupa para dormir.
Clamo pelo fundo
de seus olhos, cujo
fundo refletia
a fundo o que eu sentia por ti e, além,
trazia à tona de meus sentidos os seus
mundos por mim
e era, então, nesse fundo de mar que eu amava me afogar
e é, então, por essa razão
que suplico, em nome da emoção:
sirva-me mais um gole desse cálice.
Cale-se, menina, pois declaro abandonada toda sua falta
em ser, em ter, em vir,
comigo.
toda a peste que me deste esta esquecida
toda a dor,
toda a estrela que não me mostrou, que guardou,
todo canto que só sussurrou, ou cobriu,
toda lágrima que me chorou, ou cobrou,
todo esse pouco que me doeu esta perdoado.
Mas peço de volta aquilo que
jurei,
tudo que, sem que você soubesse, eu despachei em oferenda,
como quem ajoelha
e perante doze altares, em dia santo, reza sua jura
de amor
de vida.
jurei
em preces que não entendia
e prometi com fé e mandingas, o infinito,
pelos meus olhos, atos, dores, sonhos, medos,
gestos, gozos, gritos, gafes, gemidos,
eu acreditei,
senti, antes, garanti, então, o eterno
a todo esse mundo de shivas, iemanjás, adonais e aves marias.....que agora me cobram
que agora choram comigo, a sua falta, ou
a falta que faz o seu sorriso em mim,
o seu dormir em mim,
o seu ser em mim,
o meu ser quando contigo, pois vazio, agora, soutro...
então, moça, hoje, é com dor e com tanta tristeza
que peço, digo,
que exijo, que me devolva, todo esse mar,
toda essa blasfêmia, todo esse sacrilégio todo
esse por hora à toa
pois, repito, agora sou cobrado
e os dias custam a passar,
a noite custa a estrelar,
as sereias custam a me encantar.
Abandono
meu gosto em teus lábios
e recuso a enxugar seu cheiro que ainda me escorre pela boca
ainda que seja louca
essa vontade que tenho de esquecer
essa necessidade que tenho de ultrapassar
o todo, ou o nada (que é tão completo, complexo, quanto), que fomos.
Deixo os discos que me roubou,
os livros que esqueci,
os dias que me entreguei,
as noites que não dormi
para lhe ver dormir
e respirar
..............
e acordar
cantar;
Faço suas todas as estradas e estrelas que vi
quando achei que elas me trariam mais sentido que o seu olhar,
mas elas me traziam, além do sentido,
o sentimento do estar perdido, do estar entregue, do estar distante,
errante,
são seus também os crepúsculos quando no meu teto rodavam planetas,
os olhos estranhos
que me eram irmãos,
as vozes estranhas
que embalaram minha saga,
todos os mares em que estive
são todos seus,
declaro seus os sonhos que tive,
os deuses que conheci,
os silêncios que escutei.
Quero de ti, além da saudade, o perdão por
aquele gole que deste,
por aquele índio que viste
e pelo poeta que lhe faltou.
quero aquelas horas que lhe doeram
aqueles medos que lhe perseguiram
aquele outono que lhe caiu
faça ser meu qualquer peso que lhe reste
reste comigo qualquer tempo que azul.
Devo, ainda, cobrar a cura para todos meus vícios,
mande a receita para minha dependência
da pele tua
nua,
das bocas tua
molhadas em mim,
me diga o antídoto para esse veneno
que é a falta do seu cheiro
sendo meu,
qual o remédio para proteger meus olhos de ver o mundo
sem os seus?
qual a terapia para minhas alucinações, para meus sonhos
onde seu corpo é meu, onde sua alma
ainda me acalma?
Clamo mais um momento,
um tempo, outro,
uma vida, um instante, uma noite, mil......não, calo, penso, não sinto, penso e minto, pois:
imploro, então, um gesto, um grito, um tapa, um soco
imploro por uma tapa que rasgue minha face
que dilacere meus sentidos
que evapore meus sentimentos
que expluda tudo que acredito.......não, novamente calo
pois sempre sinto muito
sinto muito
sintamos muito e atestamos nossa total incompetência e falta de tato com a sorte por ter deixado isso escapar,
seja lá o que quer que tenha sido isso.
se é que foi algo, porque é bem capaz que essa cidreira, essa gripe e essa escuridão tenham me deixado bêbado.
Assim mesmo, reafirmo todas essas ilhas, todas essas milhas de sonhos que vivemos.
Sinto muito, minha querida.
Peço que não mais me ligue,
não nessa vida,
peço que não me abandone
jamais
que não me deixe sozinho, por favor, não nessa escuridão,
sou pouco sem você
sou louco por você
peço, menina, que tenha misericórdia de minha alma
que tenha paciência com meus olhos,
tato com meus desejos
desejos com meus lábios
lábios com minha língua,
menina exijo resgate por minha ausência
exijo um sorriso seu por minuto,
um riso por segundo.
seja a fuga desse meu mundo
seja o desastre de meus impérios,
a confusão de minha terça-feira à tarde,
a chama da chama que me arde,
seja, mulher, a minha gota que busca o mar
seja tudo aquilo que não sei dizer
e o que não posso gritar e o que não quero chorar.
seja a minha parte que ainda acredita, que ainda segue, busca, galga, sente, anseia, luta, que ainda é capaz de acordar em dias gelados de chuva fina, menina, seja aquilo que busco, aquilo que temo, aquilo por que vibro, seja o motivo de minha força, a desculpa de minha fraqueza, guria, seja minha certeza no mar, minha certeza na morte, minha certeza no amor e minha esperança, ainda que fina, na poesia.
Amiga, sejas tu, sempre, e que seja o que o tempo quiser.
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CARTA AO ESPELHO | 2007
confessionário
ando feliz às vezes
aflito sempre
sou claustrofóbico de nascença, sinto constantes faltas de mar e minha sala não tem brisa, tenho saudades intermináveis, me falta dinheiro, tempo e alguma poesia, me falta energia para acordar cedo e ter com os pássaros, tenho compromissos com gente burocrática e as vezes passo o dia sem saber se fez sol
fora isso sou feliz quase sempre
principalmente quando já é noite e chove lá fora ou quando é quente e eu tenho garoa
sou feliz quando ouço o silêncio
quando sinto amor
quando me escorre um verso no meio da rua
quando vejo vir minha menina
no mais sou triste, absolutamente triste
choro a cada manhã quando acordo, defeco, faço banho
choro quando abro o jornal e me sinto espremendo absorvente de moça
choro quando vou dormir e enquanto durmo
choro sempre, mesmo em piada eu choro
sou triste, não posso mudar
sou triste desde os doze, quando entendi o mundo e perdi a esperança
sou aflito desde criança
tenho asma, ânsia, chulé, micose e cago mole
tenho a vista ruim, o pé chato e uma lombar de oitenta
devo morrer antes do trinta, se tiver sorte
fico feliz quando toca uma música triste no rádio e eu posso ter melancolia com trilha sonora
sou movido a sons e cheiros, o resto é detalhe
tenho profundidades por uma gota de mar
tenho orgasmos múltiplos pelos pentelhos dela, pela barriga dela e seus lábios de anjo
tenho paixão por seu seio esquerdo
seu cheiro me alimenta
tenho eclipses por seu toque
sinto um enorme azul cada vez que sozinho, sou terrível com as palavras
prefiro o olhar, prefiro pescar com meu vô em seu jardim
gosto de flor, de menina, de aurora, de bohemia gelada, de amigo e de cachoeira
não gosto de trânsito nem de ervilha
outro dia tomei groselha e tive infâncias
queria saber assoviar e tocar gaita, que pena
já cai do cavalo, levantei e montei de novo como ensinou meu pai, não traumatizei
já amei um cão
já tive mãe
já acreditei em horóscopo
já doei sangue, esperma e poesia
já menti, roubei, matei e usei mulher do próximo mas não tem nada não porque não acredito em deus nem no seu filho, amém
já tive sete namoradas ao mesmo tempo
já me entendi com o vento, quando brisa em leste, e confessei metade dos meus pecados. Ele só não perdoou um
já fui monge, surfista, poeta, trapezista, profeta, eletricista, pintor, carteiro, amante, garçon, faxineiro, suplente, namorado, filho, vegetariano, já fui distante, já fui errante, já fui judeu, maconheiro, repetente, batuqueiro, repentista, indecente, penetra, ponta direita, fundista e eteceteras
hoje sou triste e tenho espasmos
hoje acompanho poesia, vendo camisas e componho futuros
hoje tenho encantos cada vez que me encontro
hoje canto cada vez que acordo
hoje troco qualquer centavo por sorriso
ontem cri, hoje lamento
hoje corro e sou lento
hoje arrisco e risco
e vivo tal doente
não sou mais crente: xingo os santos, desdenho dos astros, não aposto no bicho, ignoro ciganos
perdi a fé, fui contaminado por pcc´s, pcdob´s, lula la´s, mc´s, bob´s e toda essa ciranda colorida e de cheiro ruim
mas amanhã, logo cedo, volto ao mar, sem falta
hei de mirar à áfrica e navegar sem dia
ainda hoje, peço licença, e vou tratar de arrumar poesia
porque a vida é crua
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CARTA À SOGRA NO MEIO DA VIDA | 2011
Sua filha. Sua carne. Seu sangue. Suas memórias, eu invejo. Ter conhecido a bel bebê. Inveja boa. Ter visto a bel brincando brincadeira de criança (porque hoje, mesmo adulta, ela ainda brinca muito). Ter ensinado tanto, da vida, das cores, dos bichos, as plantas, o céu, o sol, a brisa, cada palavra nova, cada sorriso... e que sorriso. Sinto inveja boa. De ter visto a Bel adolescente, descobrindo. Descobrindo-se. Ela já era atrapalhada quando criança, com esse jeito estabanado e divertido de acordar? Aposto que sim, em versão reduzida. Determinada também né, curiosa, já era curiosa? Já fazia tantas perguntas, das impossíveis de se encontrar respostas às certeiras para cativar um papo? Ela já tinha essa inteligência que sorri? Queria ter visto ela mostrando uma nota baixa no boletim, roubando doce na geladeira, fugindo do castigo, derrubando vasos pela sala, tagarelando com as amigas com a voz ainda mais fina, gritando com a Mariô, cuidando do pequeno João, dormindo no colo grande do Beto. Que inveja boa de todas essas lembranças. Pensar nelas me faz ter saudade do que não vivi. Desculpe roubá-la assim, no meio da vida. Por amor, eu sei que você sabe, mas mesmo assim me desculpo (no seu lugar não sei se desculparia... acho que desculparia, mas não). Por amor, de um tipo tal que ainda não tinha sentido, que cresce a cada toque e não cansa de mudar. E sabe que essa semana em que ela morou mais aqui ele cresceu mais um bocado? Se sou culpado de roubo de menina em meio ao meio da vida, confesso e me entrego. Espero poder manter o meu roubo em sorriso por um tanto, um todo, um sempre. Tenho alguns instintos sobre o amor e na hora que me dei conta do tamanho que carregava tive que te roubar a menina, desculpe. Minha culpa, já disse, repito: confesso. Também não nego: não pretendo devolver. Será minha por quanto quiser, até o futuro. Sei que não preciso dizer, porque ela pode dizer e porque é óbvio e porque é natural: essa casa aqui ou qualquer outra em que estivermos é também de vocês e estará aberta sempre, pode entrar sem bater, sem avisar, sem motivo, simplesmente venha. Traga um vinho, ou não traga nada, apareça com qualquer desculpa, será um prazer: estaremos aqui brincando de tentar fazer aquilo que passamos a vida vendo em Lilian tendo em Beto tanto em Sonia e outro tanto em Ariel.
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POEMA PARA SOBRINHA QUE NASCE | 2010
há uma Luisa no mundo
fico a saber na madrugada de budapeste
comemoro quieto afundado em sono, ou sonho,
cercado pela cidade que dorme na beira do danubio
o danubio é verde Lulu
chico disse que é amarelo mas eu e sua tia encontramos o azul da lenda e na mistura nadamos em verde
lá do outro lado do rio, na velha buda, no alto do morro há um castelo
e é lá que brincaremos de princesa
tu serás a rainha
eu o bobo da corte
seu irmão o rei, então eu serei o escravo
sua mãe a fada, então eu serei o anão
seu pai o mágico, então eu serei o dragão
sua tia outra fada
e então eu serei o gavião treinado para voar alto apenas para voltar e lhe contar do mundo
há uma Luisa no mundo
o mundo tem tantas cores Lulu,
o mundo tem tantos versos, tem tantos sabores, tantas melodias: você vai gostar, eu prometo
o mundo tem uma esquina onde o silêncio sussurra
o mundo tem um quadrado onde há arte sufiente para aquietar dois exércitos
o mundo tem um jardim onde as plantas dançam o vento
o mundo tem uma ponte que flutua entre duas margens
no mundo há uma Luisa que transformará nosso mundo
há uma Luisa no mundo
e por isso eu canto em silêncio e grito e choro e beijo e sorrio finalmente
e bebemos vinho, eu e minha amada,
e bebemos grappa
e brindamos à uma Lulu que ainda brincava de cambalhotas dentro da mãe
e dançamos, então, embriagados na praça da igreja de Peste
e te esperamos até nos entregarmos ao abraço da noite na certeza de acordarmos maiores
e acordamos gigantes: há uma Luisa no mundo, filha de Edgar, filha de Thaty, irmã de Gabriel
há uma Luisa no mundo, sorte do mundo que não será mais o mesmo
o que será do mundo?
o que será de nós?
surpresa, surpresas
há uma Lulu por ai, respirando, crescendo, vivendo
e ao dormir na primeira noite com você já no mundo, bêbado, cantando, chorando e sorrindo, tentando te desenhar para sonhar com mais cor, fui buscar o pedaço de céu que entrava entre os prédios pela minha janela e lá havia um fino sorriso de lua … diziam os antigos poetas: a melhor lua é a minguante quase nova que vaga pelo breu apenas em alta madruga, que cai sorrindo apenas para os bêbados, os poetas, os andarilhos e os tios em sonho.
Ah Lulu…. beber o sorriso da lua, assim fino e branco no céu de budapeste é tragar o sorriso das mulheres da nossa família: o sorriso tal lua da sua avó como estrela, o sorriso da sua mãe certamente escancarado nesse momento. pronto, seu tio já pode dormir flutuando! tenho agora em mim, na mistura desses sorrisos de lua, avó e mãe, o sorriso perfeito para desenhar em seu rosto e sonhar pela noite.
04.09.10 no bojo de um pássaro, com Isabel ao ombro, em algum lugar entre Budapeste e Paris.
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SOBRE MINHA FILHA DANÇANDO | 2020
A minha filha é dançarina. Ela tem três anos, mas entendeu perfeitamente do que se trata a dança, essa arte do corpo. Talvez esse entendimento, que provavelmente esta mais para um sentimento, um instinto, uma emoção, do que qualquer coisa racional, seja na verdade natural às crianças e então vamos envelhecendo, racionalizando as sutilezas da vida e perdendo algumas essências. Mas mesmo assim prefiro dizer que ela realmente entendeu a dança, já que para entender qualquer arte é obviamente necessário antes senti-la. Enfim, se é racional, emocional, instintivo, espiritual, anímico, corporal, não importa muito: esta nela. Uma pequena menina gigante girando e sorrindo e curtindo a tonteira que o giro dá. Às vezes sentamos para ver um vídeo de Ballet, ela gosta do Cisne Negro e com um sorriso leve disfarça algo entre o encanto e o receio. “As outras bailarinas vão dançar também papai?” ela pergunta e quando o palco é tomado por corpos girando ela esquece todo receio e acompanha o movimento com as mãos. Outras vezes preparamos o espetáculo para o show dela, explico que serei o maestro e o seu assistente para tudo que precisar, então ela coordena a posição de todos os seus bonecos na plateia, das almofadas que definem o palco e ordena: pode começar papai. A música começa: ela fecha os olhos, ela não dança de imediato, ela fecha os olhos e abre um sorriso leve que me nocauteia toda vez. Ai começa, e sorri mais, e às vezes gargalha, parece que ela sabe que é algo sério dançar ao som de Tchaikovsky mas ela não se aguenta e quando a música fica mais dramática logo no começo ela ri mais ainda e quando logo a música volta a ficar leve ela gira e gira e, se cai, e sempre cai, ela ri ainda mais e rola e às vezes tenta uma cambalhota e normalmente não consegue e então ri mais ainda e é ai que percebo que ela entendeu o que é a dança. Na cena mais bonita do Perfume de Mulher, talvez uma das cenas mais bonitas do cinema, o Coronel Slade se aproxima de Donna para convidá-la para um tango e trocam o seguinte diálogo:
-
Would you like to learn to tango, darling?
-
Right now?
-
I’m offering you my services, free of charge, what do you say?
-
I Think I’d be little afraid
-
Afraid of what?
-
Afraid of making a mistake
-
No mistakes in the tango, Donna, it’s not like life. It’s simple, that’s what makes tango so great. If you make a mistake, and get all tangled up, you just tango on.
You just tango on. Talvez seja assim na vida também, não? Depois de um erro, you just tango on. Mas na dança é, e Joana sabe disso e vou cuidar para que nunca esqueça. Que levante os braços para fazer o giro, que fique na ponta dos pés para dar o plié (mesmo que não seja o certo, afinal ainda não sabemos o que é um plié e ainda não importa), que levante uma perna para fazer o plié du saci (esse sim muito sério, afinal foi inventado por nós). Que siga dançando, que dance muito por toda a vida, certo ou errado, isso é o mais importante: tango on ....porque, como disse no meu casamento com a bel: nós dançamos muito mal, mas dançamos muito.
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CARTA DE SAUDADE EM MÚSICA | 2010
é bom estar assim distante de ti por um momento, por um instante ser saudade e querer achar-te ou ao seu cheiro na esquina ou no lençol. e ser como que a te procurar, ontem andei uma paulista inteira pensando lua, tateando seus versos e te tive por hora e meia enquanto você devia estar a caminhar pela Broadway a fazer o mesmo (sim reparando vitrines, espiando arte, mas o amor também é isso: fazer coisinhas – foi Vinicius). resolvi sentar para escrever uma carta de amor, umas linhas de saudade, coisa sem muita intenção, sem muito alarde, pra encurtar o tempo dessa madrugada sozinha, enfim. Claro, botei um piar de musica na vitrola, na indecisão do tema chamei de forma absolutamente aleatória alguns sujeitos para soprar no ouvido, talvez te conte ao longo do texto o que eles dizem. O primeiro é Dizzy com sua espada de sopro rasgando o espaço do som, frases em língua de jazz, jazendo a vida. disse uma vez que o jazz não existe, acontece. repito. e digo mais: acidenta-se. entra joão já dizendo amor e violando um samba quase jazz, um jazz quase samba, bossando. mas digo então, não digo entra caetano imitando João, tendo dor io-io e ia-ia quando pensa na Bahia. Sinto ioiô assim menina quando penso em você e tenho insônia e preciso de um porre de cidreira e preciso atravessar a madrugada a tentar versos e injetar sonidos na minha corrente sanguinea. estou com o mundo no meu colo, entra um samba em crescente, baden descaradamente falando Vinicius e com ajuda de uma moça pregando que é melhor se alegre que ser triste mas que quer uma mulher que tem a tristeza de se saber linda. ah a beleza, tratar de mirar seus sonhos com mais atenção. Escrevi naquele nosso quadro: “tratar de ter devaneios ao entardecer, ou se acaso for o caso de noite já posta tratar de ter alucinações em madrugada” pois hoje perdi o tempo dos devaneios, agora espero o momento de minhas alucinações e se por sono adormecer antes me contentarei com as alucinações sonhadas se o sonho me trouxer o prazer do seu olhar ou a sutileza do seu perfume. Já sentiu cheiro em sonho? é raro, é coisa nobre, mas quem sabe hoje por ser assim sozinho eu tenha essa sorte. entrou um manoelzinho da flauta e eu fui obrigado a assobiar em sarava. passa o tempo e eu sou mais sal, acho que vou fazer pernas pela rua, fazer mais um chá e andar como quem procura, tenho a noite inteira para ter solidão. com licença, vou ser vagamundo,