ESCRITOS POÉTICOS
a r b r a ç o, luar | 2020
Que a lua cheia sirva como um espelho no céu em que possamos nos ver uns aos outros e que nos banhe, conhecidos e estranhos, com a mesma luz. Que brilhe, que mingue, que suma e então que cresça e nos encha novamente. Ouvi de um contador de boatos que a palavra luar nasceu no sertão, não existia no português de Portugal. Foi alguém sobre esse mesmo chão que nos contorna, sob essa mesma lua que nos banha que fez o poema: luar. Uma palavra que não existe em nenhuma oura língua, me contou esse mesmo mentiroso. Em inglês é moonligh, em francês é Claire de Lune, como nos sussurra o Debussy ao fundo. A outra palavra só nossa é saudade. Tenho saudade de ver o luar com gente. Tenho saudade da gente. De toda gente, dos estranhos que esbarramos, dos esquecidos que encontramos, mas principalmente dos que chamo de a gente. Tenho saudades dos meus, do seu abraço, de cada abraço. Na primeira semana encontrei uma amiga que não via há tempos em uma farmácia, quase nos abraçamos, quase: ficou no ar. E doeu. Nesse mesmo dia fui levar algo para o meu pai, nos vimos de longe. Outro abraço no ar. Algumas semanas depois ele fez setenta anos, mais arbraços. Um pouco antes foi o meu aniversário, arbraços vindos do celular. Um pouco depois e veio o da minha filha, 3 anos. Quando ela fez um fizemos sua festa em uma praça, quando fez dois também, em outra. Foram todos dias azuis desse outono que nos cobre. Nesse último, quando houve um silêncio entre nós, tentei ouvir pelo ar as crianças brincando nas praças dos outros anos, os brinquedos girando, as comidas, as gentes, os abraços. Inspirei tudo pelo ar e abracei Joana, foi como ter todos ali, arbraçados. São tempos de distância, mas que possamos inspirar o luar e sentir que esse ar que nos separa - que pode ser perigoso e tentador - é também o ar que nos une, em um grande arbraço.
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Ubi sunt qui ante nos fuerunt? | 2020
Onde estão aqueles que foram antes de nós?
.
Lembrei de um Drummond quando ouvi essa expressão. Depois lembrei de outro, ainda melhor. Primeiro vieram esses dois versos iniciais de Tarde de Maio:
“Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio.”
Dizer primitivos certamente dói hoje, mas precisamos dar licença ao poeta. A imagem é linda. Ele carrega a lembrança daquele poente como aqueles que honram seus mortos carregando seus ossos como ornamentos. Essa é uma imagem ainda mais bonita: fazer de um antigo uma coisa e leva-la por ai, talvez vesti-la como um colar, talvez amarrar ao corpo tal amuleto. Guimarães falou “o quem das coisas”, uma coisa feita de um avô, uma mãe, um velho tem quem antes de ser coisa e vai ganhando outros alguéns com o rolar dos dias. Não é simples. O segundo que lembrei é bem mais simples e serve mais para responder o latim, são três versinhos do poema Resíduo:
“Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.”
É assim simples, a mãe morre e vai parar no queixo da filha, um pouco. A minha morreu faz muito e foi parar no balanço dos cachos do cabelo da minha filha quando apostamos corrida até o jardim e eu perco sempre e miro sua nuca por baixo dos cachos e então eu ganho sempre. Ubi sunt me pergunta o latim, não pergunta, mas eu respondo. Minha mãe está um pouco nos cachos da minha filha, e também no seu olhar, e também no sorriso da minha sobrinha e no estar da minha irmã, irmãe. Esta no cajado que ganhei da minha tia e que minha filha diz que é uma varinha mágica. Meu avô, um, esta em um monte de coisas cheias de quem que ele talhou e espalhou: um quadro na sala, uma escultura na estante, um caderno aqui ao meu lado. O outro nas máquinas em que bato, a minha avó no olhar da minha tia atrás dos óculos que recebo pelo celular lá do norte do mundo, ou quando ponho minha filha no colo e canto o cavalinho em alemão, a outra nas receitas da minha irmã, irmãe. Todos esses foram antes de nós, e foram parar aqui, dentro.
Estamos vivendo um tempo de morte. Ontem morreram mil cento e setenta e nove pessoas de uma doença nova, só ontem. Não foram acompanhados em seu final como gostaríamos, não foram velados como mereciam, mas serão homenageados e lembrados. Para onde foram? Aqui, ai, dentro. Anteontem morreu um menino de catorze anos assassinado pelo estado com um tiro na barriga dentro da sua casa. Assassinado pelo estado. Dentro da sua casa. Catorze anos. Foi mais um, já foram tantos, mas foi um, um único. João Pedro Matos Pinto, 14, brincava com os primos antes de ser morto. Eu lembro de brincar com meus primos quando tinha catorze anos, tinha um jardim, tinham cachorros, tinha céu, a casa ao fundo. A casa em que João Pedro Matos Pinto, 14, brincava com os primos tem agora 71 marcas de tiro. Mas foram 72 disparos. Foi mais um, já foram tantos, mas foi um, um único. Pra onde foi esse menino? Dentro, em nós. Onde estão os que foram antes de nós. Onde estão? Aqui, presente.
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Afraid of what? | 2020
A minha filha é dançarina. Ela tem três anos, mas entendeu perfeitamente do que se trata a dança, essa arte do corpo. Talvez esse entendimento, que provavelmente esta mais para um sentimento, um instinto, uma emoção, do que qualquer coisa racional, seja na verdade natural às crianças e então vamos envelhecendo, racionalizando as sutilezas da vida e perdendo algumas essências. Mas mesmo assim prefiro dizer que ela realmente entendeu a dança, já que para entender qualquer arte é obviamente necessário antes senti-la. Enfim, se é racional, emocional, instintivo, espiritual, anímico, corporal, não importa muito: esta nela. Uma pequena menina gigante girando e sorrindo e curtindo a tonteira que o giro dá. Às vezes sentamos para ver um vídeo de Ballet, ela gosta do Cisne Negro e com um sorriso leve disfarça algo entre o encanto e o receio. “As outras bailarinas vão dançar também papai?” ela pergunta e quando o palco é tomado por corpos girando ela esquece todo receio e acompanha o movimento com as mãos. Outras vezes preparamos o espetáculo para o show dela, explico que serei o maestro e o seu assistente para tudo que precisar, então ela coordena a posição de todos os seus bonecos na plateia, das almofadas que definem o palco e ordena: pode começar papai. A música começa: ela fecha os olhos, ela não dança de imediato, ela fecha os olhos e abre um sorriso leve que me nocauteia toda vez. Ai começa, e sorri mais, e às vezes gargalha, parece que ela sabe que é algo sério dançar ao som de Tchaikovsky mas ela não se aguenta e quando a música fica mais dramática logo no começo ela ri mais ainda e quando logo a música volta a ficar leve ela gira e gira e, se cai, e sempre cai, ela ri ainda mais e rola e às vezes tenta uma cambalhota e normalmente não consegue e então ri mais ainda e é ai que percebo que ela entendeu o que é a dança. Na cena mais bonita do Perfume de Mulher, talvez uma das cenas mais bonitas do cinema, o Coronel Slade se aproxima de Donna para convidá-la para um tango e trocam o seguinte diálogo:
-
Would you like to learn to tango, darling?
-
Right now?
-
I’m offering you my services, free of charge, what do you say?
-
I Think I’d be little afraid
-
Afraid of what?
-
Afraid of making a mistake
-
No mistakes in the tango, Donna, it’s not like life. It’s simple, that’s what makes tango so great. If you make a mistake, and get all tangled up, you just tango on.
You just tango on. Talvez seja assim na vida também, não? Depois de um erro, you just tango on. Mas na dança é, e Joana sabe disso e vou cuidar para que nunca esqueça. Que levante os braços para fazer o giro, que fique na ponta dos pés para dar o plié (mesmo que não seja o certo, afinal ainda não sabemos o que é um plié e ainda não importa), que levante uma perna para fazer o plié du saci (esse sim muito sério, afinal foi inventado por nós). Que siga dançando, que dance muito por toda a vida, certo ou errado, isso é o mais importante: tango on ....porque, como disse no meu casamento com a bel: nós dançamos muito mal, mas dançamos muito.
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cidades fêmeas | 2019
pois que todas as primeiras cidades eram fêmeas. Assim dito por fato e assumido como verdade por provas arqueológicas encontradas por caminhantes e navegantes que já passaram e deixaram dizeres em escritos ou em ditos mesmo por eles e por elas ditados e então repassados por filhos e netos por além e por ali até nós e aqui. Posto como verdade é preciso também admitir que nenhuma delas vive mais nem ainda, nem em ruína, pois que os tempos mudam e os templos mudam e existem os ventos e as dunas mudam e as mudas brotam e o mar e o humor do mar e o amar dos homens e suas guerras e suas pressas e suas preces e suas deusas e as deusas e os adeuses que escorrem nesse querer que temos todos com a vida, com a lida e com a morte. Nenhuma vive, mas suas filhas e netas e sobrinhas são todas as espelhadas e erguidas e caídas e é por elas e entre elas que andamos e vivemos e sofremos e criamos e algumas hoje são também masculinas, meninos ou idosos, mas todos filhos e netos e bisnetos daquelas ditas as primeiras: todas fêmeas, gêmeas, criadas umas das outras, irmãs que nunca se viram, que não se conhecem, ou vizinhas, ou siamesas, ou brigadas, ou negadas. As cidades originais em que a humanidade primeiro se abraçou, e se sangrou, algumas enormes, outras poucas, mas todas moças, e eram tantas... quantas? Não sei, contei 55 e é delas que faço esse inventário em traço inventado de invisíveis de inventariado de Calvino e deixado aqui como esquecido nessas poucas toscas peças pedras tropeçadas, recolhidas e agora envidraçadas e arquivadas e metidas e mantidas e mentidas como provas e artefatos dessas primeiras fêmeas nossas mães e filhas e amantes e moradas:
#16 | Zobeide, toda branca, que gira em torno de si mesma, como um novelo. #23 | Eutrópia, não é apenas uma dessas mulheres, mas todas juntas; somente uma é encarnada, as outras dormem; e isso se dá por turnos. #08 | Despina, bailarina que dança descalça. #04 | Záira, uma descrição de como é atualmente deveria conter todo o seu passado. Mas ela não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão. #10 | Isaura, menina que se move para o alto. #28 | Bauci, com ela contempla-se, fascinado, a própria ausência. #15 | Eufêmia, que troca de memória em todos os solstícios e equinócios. #22 | Sofrônia, composta, na verdade, de duas meias mulheres. #01 | Diomira, tal uma estátua de bronze que contém todos os deuses. #19 | Cloé, vestida de preto, que demonstra toda a sua idade, com os olhos inquietos debaixo do véu e os lábios tremulantes. #37 | Clarisse, uma suntuosa Clarisse-borboleta saí da mísera Clarisse-crisália, em ciclos. Cada uma das novas Clarisses, compacta como um ser vivo com os seus odores e sua respiração, ostenta como um cola aquilo que resta das novas Clarisses fragmentárias e mortas. #21 | Olívia, que tagarela enquanto entrelaça tapetes de ráfia. Que navega de noite cantando em canoa iluminada entre as margens de um estuário verde. #11 | Maurília, uma moça com sombrinha branca que caminha onde antes havia uma fábrica de explosivos. #43 | Tecla, é uma noite estrelada. #18 | Armila, ignora-se se por trás dela existe um feitiço ou um mero capricho: Jovem, esbelta, de estatura não elevada, que não tira os olhos de si mesma e, diante do espelho, penteia os longos cabelos incessantemente. #06 | Tamara, diz tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso, e, quando você acredita estar com Tamara, não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas as suas partes. #38 | Eusápia, possui uma irmã gêmea, já morta. Dizem que não existe meio de saber quem é a viva e quem é a morta. #33 | Pirra, fechada como uma taça, com uma praça em seu centro profunda como um poço e com um poço em seu centro. #55 | Berenice, odalisca, reconhecida pelo modo de falar, especialmente pela pronúncia das vírgulas e dos parênteses.#02 | Isidora, cujos desejos agora são recordações. #17 | Ipásia, fala uma língua formada por símbolos. #27 | Ercília, se reconstrói em ciclos indefinidos, com um enredo de fios estendidos entre postes, como uma teia de aranha de relações intrincadas à procura de uma forma. # 30 | Melânia, filha de um rei desventurado que aguarda o devido reconhecimento. #35 | Eudóxia, de perfil mostra suas verdadeiras porporções, com um esquema geométrico implícito nos mínimos detalhes. #24 | Zermude, é o humor de quem a olha que dá a forma à mulher. #39 | Bersabeia, preocupada em acumular os seus quilates de perfeição, crê que seja virtude aquilo que a esta altura é uma melancólica obsessão de preencher os receptáculos vazios de si mesma. #07 | Zora, obrigada a permanecer imóvel e imutável para facilitar a memorização, definhou, desfez-se e sumiu. #42 | Argia, o seu interior está colocado para fora, revela-se imediatamente. #20 | Valdrada, cuja consciência a impede de abandonar-se ao acaso e ao esquecimento mesmo que por um único instante. #03 | Dorotéia, de lindos dentes e olhar nos olhos. #47 | Perínzia, espelha a harmonia do firmamento, a razão da natureza e a graça dos deuses determina seu destino. #25 | Aglaura, figura apagada, sem personalidade, viva quase por acaso, mas que em certas horas surge a suspeita de que ali há há algo raro, talvez até magnífico. #49 | Raíssa, moça infeliz que contém uma moça feliz que nem mesmo sabe que existe. #13 | Zoé, senhora que nos ensina, alternadamente, a dormir, fabricar ferramentas, cozinhar, acumular moedas de ouro, despir-se, reinar, vender e consultar oráculos. #52 | Marósia, exibe-se em volteios com as asas firmes. #44 | Trude, não tem começo nem fim, despede-se de uma e a encontra-se outra. #26 | Otávia, suspense sobre o abismo, é menos incerta que as outras mulheres. #09 | Zirma, alterna-se entre uma moça que passeia com um puma na coleira e uma obesa entregue ao mormaço. #54 | Teodora, relegada por longos anos de pragas e pulgas, recuperou-se e, completamente asséptica, reestabeleceu sua envergadura. #05 |Anastácia, que toma banho no tanque de um jardim e às vezes convida o viajante a despir-se e persegui-la dentro da água. #12 | Fedora, cinzentada, suposta como um brinquedo numa esfera de vidro. #36 | Moriana, consiste somente de um lado de for a e um avesso, como uma folha de papel, com uma figura aqui e outra ali, que não podem se separar nem se encarar. #48 | Procópia, de cara redonda, gentil, com sardas no rosto, sorri com a boca suja de amoras. #41 | Irene, vista de dentro seria uma outra. #34 | Adelma, ao vê-la pela primeira vez pensamos reconhece-la, quando fitamos seus olhos vemos a nossa própria mãe. #14 | Zenóbia, ansiã que continua ao longo dos anos e das mutações a dar forma aos desejos. # 29 | Leandra, que dá forma a tudo o que contém e que sempre encontra motivo para rir. #53 | Pentesileia, é como uma periferia de sí mesma, com o centro espalhado, circunda-se. #46 | Laudômia, não conhece acaso, conserva tudo arquivado. #32 | Fílide, como um percurso traçado entre pontos suspensos no vazio, moça eterna que evita os olhares, exceto quando pega de surpresa. #51 | Cecília, ilustre, ilustríssima. #45 | Olinda, uma nova pessoa abre espaço em meio à primeira pessoa e impele-a para fora. #50 | Ândria, cada mudança em sua vida gera uma novidade nas estrelas. #31 | Esmeraldina, é como um novo itinerário para ir ao mesmo lugar. #40 | Leônia, refaz a si própria todos os dias.
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coleção de chão | 2020
uma coleção de chão, e como todo o chão é um mesmo: um só: esse, outro, também, aquele, o além, o ali. Esse em que pisa, andante. Esse, de que brota a flor, em que chora, em que ama, deitado, o amante. O mesmo que o do lá, do lado, o acima, o longe. Todo chão é o mesmo, assim dito e assumido como verdade e por essa e com essa sigo e digo e minto em além: Caminha, errante, estica o seu chão para ali e vai, é logo, é nunca, é mesmo. É esse. O chão em que o primeiro homem pisou, o chão em que sua mãe deitou e te deu a luz, minha filha, o esse em que para para tomar o sol do meio da tarde e, de olhos fechados, sente um cheiro de terra: sim, assim por cheiro também nos chega o chão. Esse nosso piso se estica até o Japão, até as linhas demarcadas para os huni kuim, ali no acre, até o topo do licancabur, até a linha do equador e por todo o 360, até as pedras empilhadas da serra das prateleiras, até o pó ocre dos templos de mandalay, até os contornos do oco da biblioteca vazia sob a bebelplatz, até o asfalto negro da paulista. Cada um que colecione seus extremos, numa coleção de chão, empilhados, catalogados em sonhos e mentiras e colocados assim dispostos em ser de exemplo, como essa coleção de chão de Barros, um catado com as mãos e catalogado em prosa, mesmo que não o tal, mas, como digo, sempre o mesmo, pois que se toca. Cada um que estique os braços e fique nas pontas dos pés para melar o dedo na nuvem, mas horizontalmente. Esse chão em que escrevo, esse chão que descrevo é o mesmo ali do quase no horizonte, é o mesmo ali do depois do horizonte, é o mesmo, até, da terra riscada pela linha do horizonte, e pela linha do paralelo 36 e pela linha do meridiano 19 e pelo ponto do mapa que separa quatro países africanos e pelo ponto do globo sob qual a esfera gira sua cambalhota, é tudo pó, antes de virar ou já. Todo o chão é um mesmo e gasta, raspando, girando pelo ar. E passa e rente, e sente quem pisa descalço a grama da tarde da terça do parque o empurrar que um outro que pisa faz, o tremer de um passo dado junto por tantos ao redor da bola no mesmo chão que nos sustenta, aguenta, inventa. Aquele, este, essa coleção de chão de Barros, todos:
01 pedras que cheiram água
02 carrear para o poema um gosto de chão
03 um amarelo grosso de ouro da terra, carvão de folhas
04 à margem das estradas secavam palavras no sol, como os lagartos
05 na mata, via estrelas subindo em lombo de borboletas
06 ser pedra depende de prática
07 um terreno baldio de 10x20 sujo de mato
08 pedras negociam com aves
09 o chão tem altares e lagartos
10 essas coisas pequenas do chão perto do mar
11 aberto era seu rosto como um terreno
12 atravessava na rua por uma corda uma estrela suja
13 o mato tomava conta do meu abandono
14 um idiota de estrada passava por árvore
15 a terra era santa e adubada
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equação | 2017
( ¹)
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(silêncio²) ___palavra³||||\
\
verso⁴(poesia⁵)
/ \
________ / \
/ verbo⁶ (ação⁷)
/ \
poema⁸ tradução⁹
| |
| :inversar¹⁰
{repetição¹¹} (em ciclos¹²)
{rima¹³, |
som¹⁴,sim/não¹⁵,ôm¹⁶: |
mantra¹⁷,erro¹⁸, |
reza¹⁹} |
[amém/amem²⁰] de sede²¹
- fé²² (é²³)
|
|
de ser²⁴
¹⁰ vtd e vint _ Inverter versos, versejar às avessas, criar na imaginação o reflexo de um verso e transportá-lo para outra língua ou linguagem. _ Atividade do tradutor de poesia e/ou de linguagens: Campos inversou Mallarmé. _ O contrário de versar. _ Fingir-se poeta, apropriar-se de versos alheios para benefício próprio: Eu inverso Neruda. ¹⁸ “O artista é o erro da natureza. Beethoven foi o erro perfeito.” ¹¹ “Repetir, repetir – até ficar diferente. Repetir é um dom do estilo.” ⁶ em João 1, sobre o princípio.¹⁵ um homem vestindo barba sentado em um banco de praça com uma placa “o que é a arte? Para que serve?” ²⁰ Ao término da missa, todos os fiéis, ainda sentados, disseram: amém! / Fizeram o sinal da cruz e olharam aos céus. / O forasteiro levantou-se (retirou o acento) e, convicto em sua fé, disse: amem! / Abriu um leve sorriso e olhou aos seus. ²¹ Nesse mesmo dia fui feliz até hoje. ¹⁹ ave maria cheia de graça / que vem e que passa / num doce balanço / caminho do mar ⁵ "words set to music" (Dante via Pound), "uma viagem ao desconhecido" (Maiakovski), "cernes e medulas" (Ezra Pound), "a fala do infalável" (Gothe), "linguagem voltada para a sua própria materialidade" (Jakobson), "permanente hesitação entre som e sentido" (Paul Valery), "fundação do ser mediante a palavra" (Heidegger), "a religião original da humanidade" (Novalis), "as melhores palavras na melhor ordem" (Coleridge), "emoção relembrada na tranquilidade" (Wordsworth), "ciência e paixão" (Alfred de Vigny), "se faz com palavras, não com ideias" (Ricardo Reis/Fernando Pessoa), "um fingimento deveras" (Fernando Pessoa), "criticism of life" (Mattew Arnold), "palavra-coisa" (Sartre), "linguagem em estado de pureza selvagem" (Octávio Paz), "poetry is to inspire" (Bob Dylan), "design de linguagem" (Decio ignatari), "lo imposible hecho posible" (Garcia Lorca), "aquilo que se perde na radução" (Robert Frost), "a liberdade da minha linguagem" (Paulo Leminski): “A poesia é o nosso único recurso contra o tempo retilíneo – contra o progresso. Em perpétua mudança, a poesia não avança.” (Octavio Paz) ⁷ “Somos os fazedores de música, minha filha, somos os sonhadores dos sonhos.” ¹² “Un coup de dés jamais n'abolira le hasard.” ²² “Não faz feitiço quem não tem um terreiro.” ²³ “Ou não seria a vida um peixe preparado para ser pássaro?” ⁴ Para a resposta vide o verso. ² Já identifiquei 32 versões do silêncio ao longo desses últimos anos. Percebo e anoto no canto do livro, de orelha, para mais tarde escutar novamente. Somente uma dessas versões eu consigo acessar no momento em que quiser, e é também a mais longa: tem sete minutos e quarenta e três segundos e é um desses raros silêncios inteiramente preenchidos _ wolfgang amadeus mozart piano concerto no.21 em C, K.467:2.andnate. todas as outras 31 versões identificadas podem ser esquecidas por um momento, com exceção, talvez, daquela breve anotada no 4º estágio da cachoeira de boiçucanga em 1999 durante um devaneio. ¹⁶ “O mantra mais importante de todos. Se diz que ele contém o conhecimento dos Vedas e se considera o corpo sonoro do Absoluto, Shabda Brahman. O Om é o som do Infinito e a semente que fecunda os outros mantras. A Mandúkya panishad começa dizendo que "o Om é o mundo inteiro. O passado, o presente, o futuro: tudo é mantra Om". As Escrituras contam que o mantra Om, amplificado na caixa de ressonância do vazio primordial, se propagou até criar o espaço e as galáxias.” ¹⁷ (do sânscrito Man, mente e Tra, controle ou proteção, significando "instrumento para conduzir a mente") Ontem mesmo, com Joana no colo, vocalizei o Gayatri para tentar encantá-la: ॐ भूर्भुवः स्वः । / तत्स॑वि॒तुर्वरेण्यं॒ / भर्गो॑ दे॒वस्य॑ धीमहि । / धियो॒ यो नः॑ प्रचो॒दया॑त् ॥ , diz-se assim: “ôm bhūr bhuvaḥ svaḥ / tát savitúr váreṇ(i)yaṃ / bhárgo devásya dhīmahi / dhíyo yó naḥ prachodayāt”. Apesar de ter uma vaga idéia do que significa, arrisco: quase pouco importa. Entenda-o como Joana: sentindo cada uma de suas vibrações reverberar em seus chakras e conduzir ao caminho percorrido até o topo do monte Kailash. ¹ branco, mar, samádhi, amor. ³ abcdefghijklmnopqrstuvxwyz e o que for gerado de suas transas. ²⁴ Ser tão. Cada um de nós com o seu sertão, suas veredas, seu ser tão, seu (no)nada, sua(s) travessia(s). ⁸ Tudo que piso é poema. Como aquela senhora do sul da Italia - ou daquele vale chilheno, ou do interior gaúcho - que amassa uvas enquanto cantarola o passado. ¹⁴ Muito do que planejamos (ou sonhamos?) pareceu escorrer quando a pressão deu 14/10 lá pela 29ª semana. Exames, diagnósticos, medos e na 31ª semana fomos para o hospital por um pico de pressão. Exames, diagnósticos, medos e na 32ª semana Joana chegou acrescentando seu chorinho nas Bachianas de Villa-Lobos. ⁹ O fato do mar ser fêmea em francês inviabiliza, por princípio, qualquer tradução para o português da poesia marítima do menino Arthur Rimbaud? ¹³ irmã da mira ...
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preciso | 2016
01.o que é preciso?
É preciso entortar o horizonte com o isqueiro, a fim de interromper momentaneamente qualquer precisão ali existente. A fim de entender-se, então, e ouvir-se: ir-se. Para onde? Para onde estamos realmente indo? Para casa, sempre. É preciso sentar-se na grama da tarde, é preciso tragar algo, é preciso embriagar-se (de vinho, poesia ou virtude), é preciso observar o poer, é preciso silenciar talvez ou assobiar talvez, e então é preciso riscar o isqueiro e mirar a linha mais precisa do horizonte e rompê-la novamente. Pelo simples fazê-lo, é preciso. E é preciso anotar ou cantar esse fazer? Nem sempre. É preciso apenas fazer e depois fazer novamente para não fatigar os ombros ao solo e então, a certo ponto da caminhada, ter como horizonte a ponta do próprio pé esquerdo adentrando ao beco.*
02.o que é preciso?
O horizonte. A régua. O edifício. A navalha. A cruz.
O leste.
*com charles, octávio, georg e manuel.
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não gosto de poesia | 2013
Outro dia era março ainda e eu estava na praia como os amigos e chovia. Era março e, mesmo longe de poço fundo, choviam todas as águas. Ficamos, então os amigos, em tintos falando conversas. Uma delas ao vir de dentro da casa no sentido da varanda para ver a chuva mais de perto, parou à mesa e pegou o recém lançado bigode laranja de Leminski. Observou por uma tanto, por mais tanto e disse: “eu não gosto de livro de poesia”. Não, não pense você que essa amiga era qualquer, nesse mesmo fim de semana ela leu dois livros, um Rilke entre eles, e umas sete revistas – Piaui entre elas. Mas esse jeito de dizer “não gosto de livro de poesia” me deixou estranho. Pergunte: “você não gosta de livro de poesia, ou não gosta de poesia simplesmente?”. Ela riu, dessa forma que riem as mulheres quando chove: não gostava de poesia.
Uma vez ouvi um tal dizer, o que normalmente se diria, se o sujeito não gosta de poesia é porque o sujeito não entende. Achei tão estúpida a expressão que nunca esqueci. Poesia não é bula para ser entendida, muito pelo contrário, ela deve ser sentida, ou, antes: percebida. É isso, a poesia paira no ar, é preciso apenas percebê-la e escorrê-la caneta abaixo. Para amiga, não disse isso nem aquilo, apenas pensei (ou senti?).
O acaso quis que nesse mesmo Leminsky o curitibano derramasse diversos versos sobre esse tal ofício do poeta, inclusive com a famosa coletânea de definição que coloco logo após essa digressão: a poesia não é para ser entendida, já disse, mas antes: para percebê-la e senti-la – seja em qualquer formato que ela venha – é preciso entender o seu conceito, a sua formação. Aqui vão dois Leminskis que tentam dizer esses tais:
LIMITES AO LÉU
POESIA: "words set to music" (Dante via Pound), "uma viagem ao desconhecido" (Maiakovski), "cernes e medulas" (Ezra Pound), "a fala do infalável" (Gothe), "linguagem voltada para a sua propria materialidade" (Jakobson), "permanente hesitação entre som e sentido" (Paul Valery), "fundação do ser mediante a palavra" (Heidegger), "a religião original da humanidade" (Novalis), "as melhores palavras na melhor ordem" (Coleridge), "emoção relembrada na tranquilidade" (Wordsworth), "ciência e paixão" (Alfred de Vigny), "se faz com palavras, não com ideias" (Ricardo Reis/Fernando Pessoa), "um fingimento deveras" (Fernando Pessoa), "criticism of life" (Mattew Arnold), "palavra-coisa" (Sartre), "linguagem em estado de pureza selvagem" (Octávio Paz), "poetry is to inspire" (Bob Dylan), "design de linguagem" (Decio Pignatari), "lo imposible hecho posible" (Garcia Lorca), "aquilo que se perde na tradução" (Robert Frost), "a liberdade da minha linguagem" (Paulo Leminski)...
no segundo paulo explica, não o produto, mas o ato.
Razão de ser
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece.
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
Disso, roubei, sem querer, juro, por instinto ou inconsiente, nessa mesma tentativa, aos vinte e tanto uma das minhas ilhas em linhas, aliás, uma das minhas prediletas delas:
escrevo, logo sinto,
minto: logo invento.
pois sou, ou, ao menos tento
ser, somente aquilo em que insisto.
escrevo porque existo, puramente
em instinto,
seja mar, amor ou morte.
porque anoitece e os pássaros deixam de cantar,
então escrevo, simplesmente,
sem tanta razão, apenas para me esvaziar.
seria essa vida por demais ociosa,
escrevo então,
para aliviar minha mente
do peso das manhãs silenciosas
para escorrer minhas
cores,
dores,
loucuras.
porque estrelas, mesmo a essa altura
da aurora,
ainda brilham, desistem de ir embora
e me inspiram.
então descrevo,
então despejo essas linhas tortas,
mortas,
soltas,
então me atrevo a deixar pra vida,
todas as ilhas da minha despedida.
Mas na primeira de Paulo ele cita dois caras que são fundamentais nesse pensar do que é a poesia, e foi de Paz, por Willer, que ouvi certa vez o que eu entendo hoje ser a bula, e aqui vai contaminado pelas esquinas da lembrança e pelas sementes do meu próprio pensar:
A poesia é formada por imagens poéticas. A poesia, para acontecer na literatura, precisa de dois temperos: ritmo e mensagem. Se for só ritmo estará mais para música se for só mensagem estará mais para prosa. Se for ritmo com mensagem crua, ainda sim estará mais para musica, talvez com boa letra. A receita certa deve ser algo com uma mensagem, dita através de imagens poéticas, colocada com ritmo. É claro, as exceções são maravilhosas e nos fazem ficar quietos. Fiquemos quietos.
Mas pensando em outro cara dito por Paulo, tem uma de Pessoa, por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros, no que seria a sua bíblia em trecho do salmo 117, que vale um exercício:
"A maioria da gente enferma de não saber dizer o que vê e o que pensa. Dizem que não há nada mais difícil do que definir em palavras uma espiral: é preciso, dizem, fazer no ar, com a mão sem literatura, o gesto, ascendemente enrolado em ordem, com que aquela figura abstracta das molas ou de certas escadas se manifesta aos olhos …”
então tentem nesse branco abaixo descrever a espiral á um cego que não possa ver, mas possa ler e na outra página revelo as 3 formas que Pessoa, por Soares, usou e na Terceira entenderemos todos o que quero dizer por imagem poética.
“Mas, desde que nos lembremos que dizer é renovar, definiremos sem dificuldade uma espiral:
1-é um círculo que sobe sem nunca conseguir acabar-se.
A maioria da gente, sei bem, não ousaria definir assim, porque supõe que definir é dizer o que os outros querem que se diga, que não o que é preciso dizer para definir. Direi melhor:
2-uma espiral é um circulo virtual que se desdobra a subir sem nunca se realizar:
Mas não, a definição ainda é abstracta. Buscarei o concreto, e tudo sera visto:
3-uma espiral é uma cobra sem cobra enroscada verticalmente em coisa nenhuma.”
Pronto, deixo isso como suficientemente preenchido o espaço que penso, para agora, da poesia.
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em só e por isso e por tanto e portanto | 2010
havia um silêncio branco no quarto - bege talvez - pedi chuva por solidão houveram gritos ouvi pingos tive garoa com ginsberg gemidos por perto gemidos de prazer ou dor gemidos ruivos certamente então tive certeza: era noite quarenta e sete minutos ou mais passaram-se e a aurora queria uma valsa enroseada era quinta feira no hemisfério norte e eu ainda não sabia o que havia dito pessoa um século antes sobre a cor de uma tal tarde de chuva e também não lembro agora para copiar mas era sobre o amarelo que há no acinzentado dessas tardes e por isso não sabia se sentia tristezas ou poesia já que conheço o silêncio que antecede o gozo conheço seu tom inclusive: algo entre o amarelo das chuvas de fernando e o vermelho espanha não da bandeira e sim do sangue dos touros que é rojo de vida rosso come el cielo em um tom que só pode ser bem descrito pelo menino cego apaixonado por cinema em uma itália de então afinal minha cara o vermelho quase amarelo que antecede o gozo é visto de olhos fechados apenas e apenas e então então eu a vagar com os olhos encontrei uma foto daquela que seria minha mãe aos dezessete passeando com uma caloi e senti saudades de algo que não vivi e isso me deixou em pedra ou em musgo e a musica de violinos ao fundo me ajuda a compreender o silêncio que tenho porque nem no quarto de paris que ainda não moro nem aqui debaixo do meu gorro dentro de minha cabeça onde moro há trinta e um mas não me encontro posso entender ou supor o que sou fui ou serei por isso e por tanto mais tive de andar pela rua hoje por quase toda a madrugada para tentar chegar onde estou mas me perdi e vim dar aqui por desengano e se o som dos gemidos misturados aos violinos me agradam é porque não sei tocar flauta e porque não tenho bel para dançar valsa enquanto a aurora não trata de ser pela janela como foi na prosa cedo ou tarde amanha quando acordar terei de voltar à vida como quem volta do cigarro na varanda mais leve mas mais morto e por isso serei triste como tenho sido em minha tal felicidade pois ela goza e eu penso nuvens será a ruiva será a vida a gemer do outro lado da parede ou serão meus delírios a atormentar minhas certezas pois por certo tenho o mar que bate longe o amor que bate ao norte em terra onde o sol cai depois das dez e a morte que bate sempre perto e longe e perto e essas minhas certezas me sustentam e me confundem e me enganam e me embriagam como o tinto que desce por agora minha garganta ela encerrou o prazer a ruiva deve gemer em sonhos agora mas o que será que sonha a ruiva em morte de quem dorme depois de levitar na vida de quem vive por certo mar amor e morte há um canto de um velho moreira que é onde eu busco mar se longe para lembrar minha certeza há um encanto de uma menina isabel que é onde busco os cheiros do amor que sempre procurei na minha vida e que tenho tanta ânsia de buscar seja crepúsculo madrugada ou nem isso e existem também essas noites de insônia em sonia onde a morte me lembre e me orienta e me brinda com saudade do que tive e do que fui privado e nessas noites é que sou mais feliz nessas noites é que volto a campos com os cães e nessas noites quando há vinho o suficiente dali também se avista o mar em moreira e ali esta isabel sob as nuvens e sobre a grama a ter tintos com minha mãe e é por isso e por tanto que tendo a acreditar mais nos sonhos do que na vida e tendo a ficar em rede a pensar assobios enquanto o mundo se desenrola em três vias carimbadas e assinadas com firma reconhecidas por algum carimbo azul triste serão essas minhas certezas como nomes abandonados em gavetas ou serão elas como seios em uma capa de livro?
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tratado | 2004
tratado sobre a profundidade das coisas;
ou; tratado sobre as tristezas dos seres;
ou; tratado sobre as propriedades dos sonhos:
(ps.: tratar de dizer bom dia à estranhos)
tenho lido pessoas e tenho lido pessoa e tenho conversado sobre luar, fumaça, caos e cotidiano com mendigos e passantes.
tenho ouvido simultaneamente chopin e buzinas, com uma morena entre eles. tenho consumido alucinógenos, do tipo maças da turma da mônica toda manhã a caminho do ofício, tenho freqüentado ambientes formados por água salgada verde em movimento em uma espécie de mundo que gira e se fecha sobre nós em dor e prazer.
tenho estado com uma pessoa de três quilos e três palmos cujo olhar salva mundos e cria interrogações, exclamações e, principalmente, reticências
voltei a desenhar ilhas imaginarias nas margens da rotina
voltei a pescar com meu vô, já morto, em seu jardim
assobiando arrependido aliterações alternadas afônicas mas afinadas assustando almeidas, anaises, alves, afonsos e augustas
se acordo atrasado beijo Isabel com mais demora e recupero pulando pela janela, chego a tempo do bonde, sento ao lado da senhora mais branca e entrego versos aos pedintes (eles agradecem mas pedem pão)
vejo chover na paulista quando já é noite e entendo melhor meus sonhos
sonho, vejo a moça posta ao branco da cama: deliro
e, se acordo, amo