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textos e matérias

 

 

Gardens of Buddha | Newcastle University Sunrise 2003 

 

 

         Imagine an island, actually two islands, connected by a thin bridge made of roots from the natural vegetation. A very small piece of land, you can walk around it, with monk's steps, in less then one hour. In those island the environment is protected by the first precept of the Buddhism, that say: do not kill. The only traces of human occupation are small kotys, or houses, a couple of temples with the statue of Buddha, the cemetery, with six sepultures, two meditation places, the biggest construction with a small kitchen, the dinning room and a very rich library.

         Those islands are located in a small lagoon, near the south coast of the island once know as Ceylon, in south Asia. In the afternoon while you meditate watching the sunset is possible to feel the scence of the Indic ocean that the wind brings.

         The inhabitants of this place are five monks, two upassakas, four workers, beside kabareas (a kind of squirrel), big lizards, a cat and thousands of birds. Every day at lunch time visitours came here to pray and give food and gifts to the monks.

         We call this place Island Hermitage, the sinhalese name is Metiduwa for the small island and Polgasduwa for the biggest. Polgasduwa means Island of Coconut Tree, but these tree is not the most common here, in fact is difficult to find one specie that prevail here, such big is the variation of the rain forest. Polgasduwa was discovered by a German called Bartel Banner, or Kondanna his Buddhist name, in 1910. In 9th July of 1914 Nyanatiloka, a big German monk, founded the Island Hermitage and his body was buried here some decades later. The firsts monks were all from Germany, but soon Sri Lankan monks and also from other countries arrived. These place was built to be, and still is, a place for meditation under the faith of the Buddha.

         Life here have it rules and routine. The rules are the five basics precepts of all Buddhists: do not kill, do not theft, do not lie, no sexuality and no drugs - plus three other precepts that monks and upassakas have to observe: No sing, dance or using any valuable thing, no meals after 12:30 (only tea) and no sit in high seats (when your foot don't touch the ground). Those are the rules, beside basic rules of dressing: for the monks the traditional orange robe and for the upassakas white clothes that cover legs and shoulders. And some rules during the meals: there are no spoons or forks and you should eat with your hands (Sri Lankan costume), upassakas should also only start to eat after the monks and finish before them (what is really hard).

         The routine in the island is simple, 6:30 is breakfast, normally made with the rest of last day's lunch. After that upassakas should help the worker (Le people) to clean the dishes and help the monks in sweeping. Around 11:30 everybody goes to the boat place and walk together, first the monks than the upassakas, to the big house. The big monk prays and the visitors bring the food. In the afternoon you can walk, read, practice meditation, etc.... Life is simple and time fly.

         Sims like the rules and the routine were natural made with the running of years and it help the monks to keep the silence and to concentrate in everything, it is very rare to see a monk talking here. They believe that you have to put all your energy and concentration in what you doing in the moment, from cleaning dishes to meditation.

         I'm from Brazil, raised under the western culture in a middle class family with some Jewish tradition, and I'm very proud of it. I came to Sri Lanka by my self and I didn't find these island in the Lonely Planet Guide, I heard about it from a man that I meet at random ridden away with a hire bike. I sent a letter, I toke a boat and here am I in my small Koty in my last night here. Those four days here were a enormous chock of culture, and traveling I discovery that it is something that delight me: New Culture. For myself it would be impossible to live here for a long time. It is difficult not to sing, I don't like to use so many clothes, specially in such a hot place, I miss the ocean and I think that is a little contradictory try to find freedom using meditation in a repressor place. But I respect these island and the people who live here, and I also admire them.

        

         I will miss these place, I will miss the sounds of the birds and the amazing trees, I will miss the taste of that delicious rice and curry, the smell of the library. I will miss the lagoon, the meditation in the sunset with my friend Priyantha, I will miss the sound of the broom while I sweep the gardens of Buddha and the sound of the prays, that for my ears sounded like music.....I will miss, and I will also remember, everything, specially that sensation when I was on my knees, sweating in the hot afternoon of the jungle, and repeating the sinhalese words of the big monk, saying the precepts of the Buddhism to become a upassaka.

 

Deco Adjiman, Polgasduwa, Sri Lanka. February 03.

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caraívacincoepouco | 2005


Foi Zé quem primeiro disse, assim que cruzamos o rio: sejam bem vindos.
Cruzado o rio acaba o mundo, ou começa, dependendo de onde se olha. Olhando de cá longe, era o fim. Já que a vida lá não tinha hora, mesmo o sol nascendo tão cedo, mesmo a noite tendo sombra de lua.....toda hora era à toa, à sombra, ao cajá. Jogado na areia é que as coisas são certas, vestindo pouco, ou nada, passando calor mesmo com a fresca, à peixe frito, ou grelhado, à beterraba e pãozinho doce bem cedo e quente. Nessas é que se sente como é vazio um escritório branco com tantas vias de papéis xerocopiados em máquina Sony de última geração. Como são tortas as reuniões e aqueles numerinhos que tanto gostamos de ver crescendo na tela do computador. O que vale mesmo é a areia entrando entre os dedos do pé logo cedo, o sorriso do índio e o amor pescado na única noite sem lua que aquele mar viu. Ao atravessar o rio não é o espaço, nem o tempo que acaba. O que acaba é a ânsia, a neura, a pressa de escapar da morte que nos aflige o viver. Pode ser a nado, até andando se a maré for seca, mas normalmente é carregado por um barqueiro antigo, Zé Paulista ou tantos outros, que se ganha o rio. Esse é quase negro, ora vai, ora vem. Quando vai leva lama, barro: coisas de mangue. Quando vem traz o sal, o azul: coisas de mar. É prudente calcular sua força, traçar o rumo de acordo e puxar um ar bem fundo pois do outro lado o que aguarda é o abismo. A noite é tão quieta que ecoa, o sol não nasce: brota tal rosa rara de mar verde. A gente é simples, quase triste, quase transparente de tão profunda. Cruzado o rio acaba o mundo. Surgem então casinhas coloridas, um punhado de areia que nunca que acaba e um cheiro que só poeta para por em palavras. Lá o sol abraça manso porque o vento não cansa, canta das nove até brisar sem que ninguém note na beirinha da madrugada.

Tinha um menino que cantava enquanto escalava a palha (pra que boneco se o céu é tão azul?), o jumento cagando era quase profeta, o índio velho esculpia enquanto a filha espiava, curiosa, a erva do branco. Haviam noites de música, haviam praias sem fim e curvas de rio bem lá pra dentro onde o único humano era Deus, haviam sussurros ao acaso.

Se acaso houvesse um Deus aqui e agora eu assinava um tratado qualquer, com ele ou com um anjo rosinha, dizendo que vendo minha alma mas não conto o segredo que me contou o rio quando encontrou o mar e junto encontraram o céu e era dia primeiro e era hora quieta e era a praia deserta e era eu a única ou a última testemunha.

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caraíva sete pouco | 2007

 

vista branco, suba o morro, mate a sede dos deuses tomando seu pranto, enrole semente de índio no pescoço, meta velas na areia, preste atenção no sussurro do sol ao cair para além do rio, ouça a música que a lua sopra cada noite mais cheia, deixe a areia ser entre os dedos, deixe o índio brincar brincadeira de índio, deixe o balseiro aproveitar a maré e ir e vir nesse infinito de nós mesmos, o resto deixe que ela canta por nós...

atravessar o rio é buscar o início, é querer ser simples e aprofundar o mistério. ali está o além, nos caminhos de areia e bosta de burro esta escondido o estado de ser quieto, de ser mais perto e mais instinto, de ser mais íntimo do que é básico e pronto: ser simples e ponto.

O balseiro sabe ler a maré, fluxo do mar, mutante como qualquer fêmea, errante como qualquer ser que pulsa: o mar nos chama e nos leva. Atravessar o rio é abandonar as horas, criar vício por auroras, medir o tempo pelo fluxo da água ou pelo rosnar do vento, é ser mais lento, entrar num tempo mais baiano, um templo mais humano

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SUP Nepal | Blog Caminhos do SUP 2014

Lembro que quando eu tinha uns 16 anos, e minha grande paixão era o surf, eu matava as longas horas das aulas de física ou matemática desenhando a minha ilha perfeita. Ela seria completamente isolada, com várias praias perfeitamente alinhadas para receber todas as ondulações que resultariam em ondas quebrando em fundos de coral, pedra ou areia. Ondas para a direita e esquerda, algumas longas e gordas, outras mais rápidas e tubulares. Uma cabana, coqueiros e uma fonte de água doce: estava feito meu paraíso que normalmente acabava com uma chamada do professor.

Se naquela época eu já fosse apaixonado pelo SUP, creio que em algumas aulas trocaria a ilha por um lago. Desenharia esse lago em um país distante, exótico, com outra língua, outra escrita, outro aroma, outra gente. Seria um lago de proporções enormes e com desenho todo recortado, formando pequenas e longas baias. Em um dos lados teria uma cidadezinha em festa, com comida boa, barata e gente sorridente. No outro extremo uma margem mais selvagem, com uma densa mata verde e berros de macacos e sussurros de pássaros. Entre esses dois lados um quase pântano com pequenas vilas em que os pescadores fariam cercados de bambus que virariam labirintos para a remada. Para completar, cercaria esse lago com grandes montanhas verdes por todos os lados e, para dar o toque final, no topo de uma dessas montanhas, bem na direção do poente colocaria um grande templo budista e, no lado oposto, recortaria o céu com a maior cadeia de montanhas do planeta: os himalaias.

Logicamente não tive criatividade suficiente para desenhar esse lago, mas tive a felicidade de, por 2 dias, remar nele. Phewa Lake, na cidade de Pokhara, um dos destinos turísticos mais especiais do Nepal. Pokhara é a segunda maior cidade do país, mas é completamente diferente da loucura intensa de Kathmandu. Estivemos por lá durante o Dewali, um dos feriados mais importantes do Hinduismo, em que os comerciantes enfeitam seus estabelecimentos com cores e luzes para atrair a deusa Lakshimi, que representa a prosperidade. O clima era realmente de festa com diversas rodas de dança e música por todos os cantos. A cidade é famosa principalmente por ser o ponto de partida para os longos trekkings nas montanhas do Amnapura Range e seus 5 picos acima dos 8.000 mts, mas o lago Phewa também atrai uma porção de turistas. Talvez a atividade mais clássica seja alugar a sua própria canoa e remar no estilo local até a margem oposta para pegar a trilha, de cerca de 1 hora, morro acima. No topo esta a fabulosa World Peace Pagoda, templo budista, que oferece uma das melhores vistas da cidade e das montanhas. Infelizmente no fim de tarde que subimos algumas nuvens encobriam quase todo o perfil dos Himalaias.

Já no primeiro dia encontramos umas pranchas de SUP para alugar, reservamos para manhã seguinte e remamos por cerca de 2 horas. Fomos no sentido sul, cruzando uma ilhota com um pequeno e festivo templo Hindu, fomos fotografados por dezenas de Japoneses em seus coletes salva-vidas e botinhos guiados. Um ponto positivo do lugar é que aparentemente barcos com motor são proibidos, o que deixa o som ser dominado pelos cânticos do Dewali e as enlouquecidas buzinas na margem mais urbana e os pássaros e macacos na outra. O clima estava perfeito, sol completo sobre nossas cabeças, sem ser quente demais, quase sem vento e praticamente sem corrente. Ficamos boiando ou remando com preguiça até o extremo sul. Flagramos uma turma local em um divertido mergulho e, pelo que percebi, o biquíni – mesmo com shortinho – da minha mulher, alegrou-os ainda mais. Nesse canto tivemos a visão mais bonita das montanhas nevadas do Himalaia sobre o vale verde da cidade, foi por ali que a Bel me disse “acho que só essa remada já valeu a viagem toda” meio pretencioso para o 10º dia de uma viagem de quase 4 meses, mas tive que concordar.  Devolvemos as pranchas e reservamos para o mesmo horário no dia seguinte.

O dia amanheceu bem nublado e meio frio, a preguiça e o vinho do jantar nos deixou rolando na cama, mas no meio do dia o céu já estava azul e fomos atrás da prancha.  Combinamos um ponto de encontro em uma ponta de baia no extremo oeste do lago, que era para onde o vento levava, e a Bel deixou o Pehwa leva-la para lá, enquanto eu fui contornando toda a margem leste e norte. Passei por algumas vilas ganhando aceno e sorrisos, encontrei pescadores, mais japoneses fotógrafos e nenhum outro SUP. Durante a remada passei por 3 pontos de pouso de Paraglaider, outro esporte muito praticado por lá. No extremo norte do lago forma-se um rio que escorre para dentro do pântano com alguma força, mas nada muito difícil de transpor, mas dei um apoio moral para um grupo de local que levava material de construção. Remei sem parar por cerca de uma hora e meia até encontrar a Bel mais ou menos no ponto combinado. Paramos em uma dessas baias para um mergulho, o barulho dos macacos era impressionante. Relaxamos por algum tempo e encaramos a volta, contra o vento, para devolver a prancha sem ter que pagar nenhum extra.

O Nepal é um grande destino para esportes outdoor, algumas agencias de Pokhara que fazem tours de rafting também oferecem descidas de corredeiras no SUP, não tive tempo de fazer mas é uma dica que deve ser muito bacana, ainda mais selvagem no interior do pais.

Durante a remada pensamos muito no Pluk, grande companheiro e inspirador do SUP que ia enlouquecer nessa remada por ser também um apaixonado pelas montanhas, por isso quis escrever esse relato. Escrevo da Índia, diante de um outro lago alucinante na cidade Udaipur. Aqui infelizmente não consegui achar um SUP, nem mesmo um barquinho que não seja um desses enlatados para turistas alemães em seus salva-vidas, além disso o lago Pichola é tristemente sujo demais. Alguns outros lagos e muitas outras baias estarão no meu caminho, espero ter novamente a sensação que tive no Pehwa e poder mandar mais algum relato!

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Cactus Beach - Surf no Deserto Australiano | Revista Hardcore 2004

 

            No meio do caminho tinha um deserto. No meio do deserto tinha uma praia. Na praia haviam ondas de sonho e histórias sobre locais pouco amistosos e tubarões famintos. Cactus Beach, território da Austrália do Sul, um lugar parecido com o fim do mundo, onde poderosos gigantes se encontram: deserto, mar e céu. Em Cactus nenhuma história soa como lenda.

            Viajávamos em direção ao oeste australiano já há uns vinte dias. Éramos em três, dividindo os custos e as alegrias daquela aventura. Foram cerca de 35 dias e mais de 6 mil quilômetros entre Newcastle, na costa leste e Perth, já banhada pelo oceano Índico, à bordo de uma velha caranga lotada com pranchas, instrumentos musicais, skates, barracas, etc. Cactus esta localizado mais ou menos no meio desse longo caminho e para nós foi como um verdadeiro divisor de águas. O deserto do Nullabour começa oficialmente na cidade de Ceduna, mas já pode ser sentido na saída de Adelaide (capital da Austrália do Sul), quando passa-se pelas penínsulas York e Eyre. O sol é intenso, o ar é seco, o vento castiga, a terra é amarela e igual para onde quer que se olhe. A paisagem é ao mesmo tempo assustadora e cheia de encantos. Os dias são de um calor fumegante e a noite de um frio cruel.

            Lembro da impressão que tive quando avistei pela primeira vez aquela baia num belo fim de tarde. Esquerdas de uns 3 a 4 pés rolavam lisas sobre as pedras no extremo sul e, mesmo sem surfar já há alguns dias, não fiquei nem um pouco animado para entrar na água. A praia é coberta de pedras que mais parecem facas, os locais têm fama de odiarem os invasores e de tratar qualquer estranho como inimigo, mas nada disso era novidade. O real problema é que aquele local é conhecido como a praia onde há o maior número de ataques de tubarão branco em toda a Austrália, no mínimo um ataque fatal por ano! O fim do dia é a pior hora, a hora da janta. Não surfamos naquele dia. 

            O frio da noite reuniu a vizinhança do camping em volta do fogo. Alguns cozinhavam, outros apenas se aqueciam. Músicas e estrelas embalaram histórias e selaram amizades. Aquela noite conhecemos Dylan que estava com o seu pai e sua prima numa verdadeira casa, ou mansão, móvel com direito até a telão com DVD, churrasqueira e ar condicionado. Mais humildemente instalado estava Darren e sua namorada, sempre curtindo um som no seu velho Mustang. Com eles passamos ali aquela semana, dividindo ondas, risadas e noites encharcadas por estrelas e pelo silêncio do deserto.

            Das muitas horas que passei na água de Cactus, acho que posso contar nos dedos os minutos em que não pensei em tubarão. Mas o medo logo passa e fica apenas um pequeno receio; a beleza rude do lugar e o potencial das ondas encantam muito mais. São cinco picos de ondas  que vimos quebrar na baia principal: Cunns, no canto esquerdo, é uma esquerda rápida não muito longa que quebra ao pé de um grande paredão de pedras, pescadores sempre ficam por ali e se for avistado qualquer peixe maior que um carro eles logo avisam; depois vem Cactus, outra esquerda, bem mais longa e com diferentes seções ao longo de sua parede, algumas mais cavadas, outras mais cheias; na seqüência temos Castles que quebra curto para a direita e também para a esquerda, onda boa mas muito abaixo das demais; entre Castles e Caves há um canal bem fundo chamado Shark Chanel, lá ocorreram a maioria dos ataques; no extremo direito da baia há Caves. Talvez a onda mais aguardada pelos locais Caves é uma direita que quebra com grande forca sobre uma rasa bancada de pedra, a onda é razoavelmente longa e proporciona um surfe bastante intenso; na mesma bancada de Caves quebra uma outra direita mais rápida ainda, curta e perigosa: Supper Tubies.

            As ondas mais constantes foram Cunns e Cactus, nenhum dia menor que 3 pés, sempre lisas e abrindo. Caves só quebrou no nosso último dia, vimos de longe que estava rolando e cruzamos o calor do deserto por trilhas entre as dunas, cerca de meia hora para ir de um extremo da praia ao outro. Ali pude conhecer alguns locais de Cactus e a o seu olhar pesado e nada amigável aos ‘’de fora’’. São homens do deserto: barba longa, carros velhos, sempre uma cerveja na mão, pranchas grandes e antigas. São grandes surfistas, vimos lá um estilo totalmente diferente das costas leste ou oeste, um surfe sem tanta leveza e graça mas com mais forca e integração. Tudo ali parece fazer parte de um mundo esquecido entre as duas costas verdes do pais, um mundo com poucas pessoas, pouca vida, um mundo onde o horizonte parece ser mais amplo, onde só se vê céu, deserto e mar.

            A onda de Caves quebra bem longe da costa. Entramos na maré seca, andando pela bancada e depois remando pelo canal, deve-se encontrar a faixa d’água exata para remar, nem muito para fora no “Canal dos tubarões’’, nem muito para dentro onde a onda te esmagaria na bancada. Quando sentei no outside senti um clima tenso ali, a onda, quebrando em sólidos 6 pés, é pesada e não deve haver descuidos, as pessoas, ao contrario da maioria dos outros picos que surfei na Austrália, pouco se falam, os olhares são quase tão pesados quanto a onda, a distância até o pedaço de chão mais próximo só aumenta a certeza de que estamos fora de nosso meio natural. O surf, por tudo isso, foi inesquecível. Algumas ondas de sonhos e alguns sustos também, o maior tive quando passava por uma série maior que entrou fechando e quando estava mergulhado sob uma onda senti algo em baixo da minha prancha. Primeiro pensei ser a bancada, mas logo senti que aquilo se mexia: pensei que tratava-se do bichano. É um sentimento estranho esse de esperar pela mordida, de esperar a sensação de ser cortado por dezenas de navalhas. Foi só o susto, era um outro surfista que no meio da confusão acabou se embolando comigo. “Sorry, mate” e bola para frente.

            Recolhemos acampamento e partimos, naquele mesmo dia, em busca do oeste. O surf em Cactus foi um combustível essencial para nos dar forca para cruzar as longas  e sufocantes retas do deserto australiano.

              Hoje, daqui do outro lado do mundo, sinto falta das ondas que surfei em Cactus, é claro. Mas sinto falta, principalmente, de estar num lugar onde o ser humano desenvolve claramente um papel de coadjuvante. A natureza manda e impõe toda a sua a forca e beleza sobre nós. O vento incansável que parece querer levar a barraca para junto dos pássaros, o frio noturno e todas aquelas milhares de estrelas, a dança do fogo, a dança das ondas, a imensidão das dunas, a secura do dia e a falta de água doce. Todas as condições fazem com que o nosso corpo e a nossa alma se adaptem e encontrem formas para se moldar àquela, ao mesmo tempo dura e bela, realidade.

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SRI PADA - Uma jornada ao teto sagrado do Sri Lanka |2005

 

 

 

            Conhecida também como lágrima da Índia, ou antigo Ceilão, a ilha hoje chamada de Sri Lanka é uma terra envolta por disputas políticas, praias paradisíacas, cidades milenares, fervor religioso (no bom e mau sentido da expressão) e ricas manifestações de uma cultura única na Terra. Um lugar onde as plantações de chá e os cultos à Shiva ou Buda contrastam com a onda de Turismo e a já natural invasão da cultura globalizada que parece tentar fazer do mundo um lugar monótono. Mas a cultura local resiste e prevalece em todas as esquinas: encantando o visitante com suas cores, aromas e temperos.

            O Sri Lanka localiza-se à sudeste da península indiana, no sul da Ásia, tendo o seu extremo norte quase conectado à Índia. O nome Lanka (Sri pode ser traduzido como venerável, bendito) fora utilizado por volta do século 4 Ac, talvez pela primeira vez, pelo poeta Valmiki no épico hindu O Ramayama, para descrever a terra onde o deus Rama fora resgatar a sua amada Sita das mãos do espírito mau de Ravana. A presença da religião Hindu é muito forte na forma de templos por toda a ilha e concentra seus principais fieis, o povo Tamil, ao norte. Porém é o Budismo, com cerca de 80 % da população, que prevalece. Ao final da década de 80 a relação entre as duas religiões chegou ao extremo e o povo Tamil chegou a utilizar-se de terrorismo reivindicando a independência da província do norte. Atualmente a situação é mais tranquila e, apesar da presença do exército em alguns pontos do pais, a única grande confusão é gerada pela choque de línguas, são três as línguas oficiais: Sinhalese (da maioria Budista), Tamil e Inglês.

            As cristalinas águas do oceano Índico envolvem o país e, principalmente na parte sul, existem inúmeras praias em uma costa recortada e revestida pela floresta tropical. Não é nada difícil encontrar um paraíso particular em uma dessas esquinas da costa. Quando vai-se ao norte, porém, seja na capital política, Colombo, ou na capital religiosa, Kandy, entende-se rapidamente por que o Sri Lanka é um dos países com a maior densidade demográfica de todo o mundo. Principalmente quando utiliza-se os meios de transporte, que vão desde barulhentos trens até as tradicionais tuk tuk (espécie de tricícolo utilizado como taxi),  percebe-se como é difícil dividir o mesmo espaço com tanta gente. Fiz algumas viagens de ônibus de mais de 250 km de pé e às vezes era difícil até achar um lugar para segurar na barra, mas nada que não fosse recompensado por uma maravilhosa vista e a sensação de chegar a lugares incríveis. Passei quarenta dias na ilha de Buda, a maioria do tempo fiquei em uma tranquila praia da costa sul. Quando decidi aventurar-me pelo interior do país, fui a melhor agência de turismo local: a loja de cartões postais. São imagens incríveis de templos, ruínas, montanhas, reservas, imagens de um povo que àquela altura já havia me encantado. Selecionei alguns lugares, seria impossível conhecer tudo, defini uma rota e no primeiro trecho encarei um trem que percorreu primeiro 100 Km pela costa, com direito a mais um indescritível por do sol, até a capital Colombo. De lá segui, ainda de trem, outros 115 Km até Kandy percorrendo maravilhosas montanhas preenchidas pela densa mata e infindáveis plantações de chá. Em Kandy destaca-se o famoso Templo do Dente, o mais famoso templo Budista da região onde encontra-se um dente do próprio Buda. Após alguns dias reencontrei um sueco, parceiro nas ondas da costa, que mudou todos os meus planos. Contou-me de sua aventura na escalada do Sri Pada pela rota tradicional dos peregrinos. Após ouvir o seu relato decidi seguir em breve para lá. Antes segui com ele e sua namorada para a primeira capital do Sri Lanka, a cidade de Polonnaruwa, na província do norte. Passamos um dia por lá visitando ruínas de templos com mais de 1.000 anos de idade, templos envoltos por uma densa mata e hoje habitados apenas por mitos, lendas e centenas de macacos. A grandiosidade do lugar é surpreendente assim como a energia que sente-se nesse local que é considerado uma espécie de Machu Picchu asiático.

           O casal decidiu enfrentar a longa volta para a costa naquela mesma noite. Eu dormi por lá e na manha seguinte iniciei minha jornada para o topo sagrado do Sri Lanka. Longas horas em ônibus, vans e tuk tuks e pôr volta das 10 da noite estava no base do Sri Pada (Bendito Pé), também conhecido como Adam´s Peak. O topo, a 2.243 metros de altura, é destino obrigatório e sagrado para budistas e hindus. Seguidores do hinduismo acreditam que em seu topo há a pegada de Shiva quando este desceu à Terra, para Budistas a pegada é de Buda e cristãos dizem que é de Adão. Pouco importa, a magia do lugar já é grandiosa pelas pessoas e pela natureza.

            Equipei-me com água e alguma comida e iniciei a caminhada. A escalada deve ser feita à noite pois o calor seria infernal durante o dia, mas principalmente pois a grande recompensa é a aurora vista do topo. Existem duas rotas utilizadas para se chegar ao topo: a tradicional, com séculos de existência, percorre a face mais íngreme da montanha e é iniciada bem mais abaixo que a nova rota, que além de mais curta é mais suave. Tomei a tradicional e segui, passo a passo, a trilha de pedras. Durante todo o percurso, que durou quase seis horas, não vi nenhum outro turista, os locais me olhavam com espanto e admiração. O povo do Sri Lanka é caracterizado pela alegria e cordialidade, quando se afasta dos centros turísticos são raras as pessoas que falam bem inglês, mas a curiosidade de todos fez da minha presença um atracão à parte. Muitas pessoas chegavam dizendo o tradicional ‘’Hi, Mister’’ e tentavam iniciar uma conversa, outras somente riam. Não foram poucos os pretendentes a guia que encontrei, mas sabia que não havia necessidade.

            A jornada é realmente dura, a maioria do trecho é feito por trilha de terra batida e em algumas partes há revestimento de pedras e grandes degraus, alguns com mais de um metro de altura que devem ser escalados. É incrível observar algumas pessoas que fazem a caminhada, principalmente os idosos, alguns doentes ou com problemas físicos. Pode-se ver na perseverança de seus olhares e no esforço de seus passos como é grande o poder da fé. Há também muitas famílias e grupos de estudantes, esses sempre muito animados cantando e dançando. Depois da primeira hora, já completamente encharcado pelo suor, encontrei, ou fui encontrado, por uma pessoa especial, um sujeito que hoje tenho como irmão de alma. Eu estava recuperando o fôlego quando ele, meio que me empurrando, disse ‘’Let´s go Mister’’.

            Seu nome era Athola, no começo achei que tratava-se de mais um pretendente à guia, mas com seu inglês simples e seu sorriso franco logo vi que tratava-se de alguém em quem poderia confiar. Durante a subida ele me contou como aquele lugar é importante para os Budistas. Não foram poucas as vezes que ele me esperou e me incentivou na subida. Já perto do topo estava descansando e tentando proteger-me do frio em um Madan, pequenas vendas espalhadas pela trilha, sentia-me realmente exausto quando ele  me trouxe uma banana e um café. Até hoje tenho esse como o melhor café que tomei na vida e o seu ato como um dos mais valiosos que alguém já fez por mim.

            Enfim chegamos ao topo. Meu amigo tocou orgulhoso sete badaladas no sino do templo, correspondentes às vezes que subiu até lá, também orgulhoso dei a minha. Tiramos os tênis e pegamos a fila para ver a pegada, o cansaço era enorme. Subi uma curta escada tentando não ser esmagado pela verdadeira multidão, pude ver lágrimas escorrendo dos olhos de Athola quando o Monge lhe disse algumas palavras, também senti uma enorme emoção e quando o monge abaixou minha cabeça em direção à pegada, que mal pude ver pois estava coberta por flores e moedas, também senti uma deliciosa tontura. Acendemos alguns incensos para Shiva e despedi-me do meu amigo, que deveria descer as pressas para trabalhar logo cedo.

            Ainda havia uma hora até a aurora tingir o céu que agora era preenchido por milhares de pontos brilhantes. Com ajuda do cruzeiro do sul encontrei um lugar voltado para o leste, o frio era intenso, sabia que estava em lugar maravilhosos, só restava-me esperar.

            À hora da aurora reconheci no sol o maior dos deuses e fui presenteado com ondas de prazeres vindas de todos os meus sentidos. A luz revelava a imensidão de montanhas verdes que estavam abaixo de mim e preenchia o céu em inúmeros tons de laranja inundando meus olhos com verdadeiras poesias visuais. O calor do grande astro livrava meu corpo do frio da madrugada e estimulava os cantos e rezas de todo o povo ali presente, rezas que soavam como a mais bela música que já ouvi. O aroma dos incensos de Shiva misturado ao odor do meu próprio suor e de todas as pessoas ali foi o ingrediente que completou todo esse quadro de prazer. Passei instantes eternos contemplando aquela aurora mágica.

            A descida durou cerca de quatro horas, o cansaço era indescritível. Da base tomei um ônibus até a cidade onde havia deixado minha mochila. Depois de uma bela refeição e algum descanso decidi cruzar meio país e voltar para Hikkaduwa, a cidade na costa sul onde sentia-me em casa. A viagem foi longa mas cheguei ainda há tempo de ver aquele mesmo sol, que brotara horas antes revelando um mundo de montanhas, derreter nas belas águas do Oceano Indico.

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alabama monroe | 2014

Por mim, o melhor de 2014, assim logo em janeiro. Não lembro de ter visto outro filme belga, mas se vi, esse é o melhor.

 

Talvez pelo fato de ter ajudado um casal de franceses a comprar o ingresso eu tenha passado os primeiros minutos do filme na missão de decifrar a língua. Missão impossível, decididamente não era francês, como supus com o casal, também não era inglês, apesar de ser em vários momentos o que só nos deixa mais confusos. Não era alemão e não se fala holandês da Bélgica. Desisti. – é belga! disse Bel no final do filme, para ser sacaneada logo em seguida: - que belga!?! Não existe belga!!. Mas existe, ou quase: flemish, me diz a ficha técnica, língua do norte da Bélgica, me diz a Wikipédia. Mais uma pra conta de ignorâncias superadas.

Ainda no começo a irritante mania nacional de “traduzir” o nome do filme como bem entende, ainda que nesse caso tenha dúvidas de qual encaixou melhor. Superado traumas iniciais, fui me ajeitando,

 

O filme oscila doses não homeopáticas de socos no estômago e cafuné no pé da orelha. A surra é grande e constante, assim como o afago. Uns 7 anos da vida de um casal: 2 sujeitos bem diferentes que se conhecem ao acaso (como sempre) e se conquistam, o resto é basicamente música e câncer.

 

Aquele tipo de filme que seria bom sentar para ver com algumas dicas, sopro as minhas, ou alguns tais para serem reparados: A forma que cresce nela a arte que era dele e a forma que isso o encanta. Umas três trocas de olhares que valem uma vida. A forma que o sujeito que escreveu o roteiro fez correr o tempo, quebrando a ampulheta e espalhando a areia em um caminho sinuoso, nos colocando confusos com a ordem das cartas e ansiosos e encantados -  um soco, um cafuné -  A forma que o sujeito que editou o bruto picou as cenas e colocou aquela chuva logo depois da lágrima ou aquele potro correndo logo depois do sonho. A forma como a arte (no caso a música) sabe entrar no poço da tristeza e mergulhar fundo e mais fundo e quase se afogar para então sair, se não livre, um tanto mais leve. Ou a forma como essa mesma arte nos põe a dançar, mesmo sentados no cinema, e sorrir, mesmo com lágrimas nos olhos - o murro, o afago - a forma como o banjo, o violino, a viola, o bandolim e o contrabaixo com uns sujeitos barbudos e uma moça loira e colorida transformam o silêncio em Bluegrass, esse esquecido tio avô do country, primo irmão do folk. A mão que sobra estendida no palco. O sorriso da menina de lenço ao voltar pra casa. A varanda ou o terraço: a expressão de pessoas que são “makers”. O quanto erramos ao não saber misturar as doses certas de religião, ciência e poesia, principalmente ao explicar uma estrela para uma criança. A forma como as pequenas coisas crescem e as coisas simples preenchem. A morte como a última grande certeza. A morte como a única grande certeza. A morte confundindo algumas certezas, como no sussurro final dele.

 

Alabama Monroe, porque até os índios mudam de nome no rompimento de um círculo quebrado.

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YOGA E SURF | o casamento perfeito de duas atividades sagradas | 2004 | Revista Hardcore

 

 

         A definição mais clássica diz que “Yoga é qualquer metodologia estritamente prática que conduza ao samádhi”, onde samádhi é o estado de hiperconsciência e autoconhecimento que só o Yoga proporciona. “Estritamente prática”, pois não adianta ficar teorizando sobre Yoga, é preciso praticá-lo, trabalhar o corpo e a mente para buscar esse estado prometido. Com o surf é a mesma coisa, é impossível não passar horas falando com os amigos sobre uma boa queda, uma manobra, uma onda especial, ficar sonhando com picos perfeitos, ver fotos e filmes com os melhores surfistas; mas isso, apesar de fazer parte, não é a essência do surf. Surf é o momento em que botamos nosso corpo e alma em contato com a água, surf é a prática de deslizar sobre as ondas em movimento, a arte de ler a onda, de esperar pela série. Para o surfista essa prática, assim como o Yoga para o yogin, também conduz à um estado especial e único, também gera um autoconhecimento e uma hiperconsciência.

         As semelhanças entre essas duas antigas práticas não param por ai. Como classificar o Yoga? Será um esporte, uma religião ou uma terapia? Quem prática Yoga sabe que trata-se de tudo isso e muito mais, e quem pega onda há de concordar que seria muito limitado chamar o surf somente de esporte. Ambos são filosofias, práticas fortes e capazes de mudar a vida de quem as pratica. O sujeito que sente o corpo deslizar sobre o oceano tem sua vida mudada para sempre, mesmo que nunca mais pegue onda, ele irá sempre olhar o mar de uma maneira diferente; é o mesmo quando se sente, pela primeira vez, a energia de um Shiva Mudrá, de um pranayama ou de um ásana que desencadeie uma sensação de prazer. Filosofias que influenciam, tanto o yogin quanto o surfista, em toda as esferas da vida, não somente na prática; os adeptos passam a ter uma visão à parte do resto da sociedade, uma nova forma de respirar, uma ligação à elementos mais sutis, uma relação especial com a natureza. Talvez por isso ambos acabem se distanciando um pouco da sociedade e, as vezes, até sendo vítimas de preconceitos.

         Talvez o melhor aspecto que as duas práticas tenham em comum seja a sensação de prazer que elas podem proporcionar. “Não há nada que um surf não cure” clássica afirmação claramente associada ao prazer e à alienação gerada por aqueles momentos com o corpo molhado; o Yoga também te tira da realidade, te apresenta uma verdade interna recheada de prazeres e descobertas. Mesmo naqueles dias que o pé não estava encaixado na prancha, que o vento batia maral e as ondas fechavam, ou até aquele fim de tarde meio storm em que a arrebentação venceu a persistência dos braços: o Mar sempre nos ensina, a sensação após o surf, assim como após o Yoga, é sempre prazerosa.

         Uma lenda diz que, há cerca de 5.000 anos no noroeste da Índia, um bailarino real observando os movimentos dos bichos e do cabelo das árvores dançando ao vento, criou movimentos em seu próprio corpo e aquela dança encantou todo o seu povo. Essa arte purificava seu corpo e seguindo seus instintos o bailarino, agora também mestre, descobria formas de purificar e aquietar a sua mente. O bailarino entrou para a mitologia com o nome de Shiva e a sua dança recebeu o nome de integridade, integração, união: em sânscrito, Yoga. Outra lenda conta que um homem, em alguma esquina costeira do Pacífico, também observando a dança da natureza, explorou o seu corpo e criou uma maravilhosa forma de arte. Com a sua nova forma de dança o homem tornou seu corpo saudável e sua mente mais pura. Essa arte ganhou o nome de surf e o seu criador hoje também mora na mitologia dessa atividade natural ao ser humano.

         “Mens sana in corpore sano”, disse algum sábio. Mente sã habita em corpo são, o surf e o Yoga cuidam do corpo e proporcionam um melhor estado à mente e àquilo que alguns chamam de alma. Tudo isso de uma forma bem individual, particular e intransferível. Surfa-se e pratica-se Yoga em benefício próprio e ninguém poderia fazê-lo por você. Vai da sua atitude pegar a prancha, enfrentar o frio, a correnteza, o crowd e deslizar uma onda, e também é particular a iniciativa de encontrar um tempo para alongar o corpo, respirar de uma forma correta, meditar e tudo mais que envolve o Yoga. Um grande ensinamento do Yoga muito útil ao surf, e à tudo mais na vida, chama-se tapas. Tapas pode ser entendido como auto-superacão, o praticante deve observar um constante esforço sobre si mesmo em todos os momentos, ou seja o esforço deve estar voltado no sentido de fazer-se melhor a cada momento, para isso deve haver persistência, disciplina e humildade.

         Outro aspecto interessante é que em ambas as atividade há diferentes níveis entre os praticantes, talvez o mais adiantado ou o mais pré disposto possa atingir níveis superiores, mas ao iniciante também é dada a honra de sentir o gosto do prazer, das mudanças e das conquistas.

         São inúmeras as semelhanças e talvez a grande diferença entre surf e yoga seja a total dependência do surf com o mar. O Yoga pode ser realizado em qualquer lugar e a qualquer tempo, é lógico que o que esta ao redor irá influenciar a prática do yogin, mas não existe uma relação tão básica e bela quanto à do surfista com a onda.

         Acredito que não são, nem as semelhanças, nem as diferenças que fazem com que essas atividades se encaixem tão perfeitamente. O que há de mais belo é que uma completa a outra. O surf  é uma atividade de ação intensa que exige reflexos e superação do corpo, e o Yoga vem como uma atividade mais amena que possibilita ao corpo do surfista uma maior flexibilidade, força e disponibilidade para reagir de forma positiva ao inesperado de cada onda. O surf de competição ou de ondas grandes, ondas com maior velocidade, ondas que quebram sobre bancadas rasas é uma atividade de extremo risco, na verdade até aquela merrecagem em um pico conhecido envolve um certo risco, portanto para proteger o corpo é fundamental que a mente esteja alerta, a concentração em foco, a respiração tranquila: o Yoga proporciona tudo isso. Talvez o melhor exemplo desse casamento perfeito seja a clássica figura do mestre de Pipeline e yogin de longa data, Gerry Lopez.

          O contrario também é verdadeiro, o surf também ajuda na hora de praticar Yoga. É verdade que as vezes o instrutor induz à visualização de uma praia linda e tranquila, sem vento, sem barulho de ondas e com o mar liso e a mente do surfista enxerga uma praia linda, onde bate um leve vento terral e quebram ondas lisas e perfeitas, talvez atrapalhando um pouco o exercício de meditação, mas a nossa conexão com a natureza e a nossa experiência com uma atividade que não cuida só do corpo é muito valida e só tem a somar dentro de uma sala de Yoga.

         Que mais surfistas pratiquem os ensinamentos de Shiva, teremos com certeza um avanço no nível do surf e uma melhora gigantesca no “clima” dentro d’água que é algo que vem corroendo a alma do surf nesses tempos de crowd e competição. Boas ondas e boas práticas!!

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Os ensinamentos de Buda | (ou o que consegui absorver deles em uma noite morna e paulista) | 2008

 

O jovem Buda, aflito pela constante busca da felicidade dos homens decide refletir sobre o tema. Conclui que a felicidade é atrapalhada pelo sofrimento e esse sofrimento é causado, em um primeiro momento, pelas coisas externas à nós, coisas essas que, justamente por serem externas, são instáveis. Para neutralizar essa instabilidade externa seria necessário, como primeiro passo, obter uma harmonia, ou estabilidade, interna.

 

Com isso em mente o jovem Buda senta sob uma árvore para meditar.

 

Em meditação profunda por sete dias o Buda alcança a iluminação.

 

Iluminado, o Buda atrai outros homens que anseiam por seus conhecimentos.

O primeiro ensinamento do Buda versa sobre a consciência. Nossa consciência não é algo tangível, não é como um vaso, por exemplo, não possui forma definida e portanto não pode ser dividida ou quebrada. Ela é a nossa forma de entender o mundo, por ela passa tudo: o confortável e o desconfortável. Por ela não ter forma, ela não tem começo ou fim: é infinita. Como algo infinito também não possui limites e portanto se une a todas as outras coisas que nos cercam. A conseqüência desse raciocínio nos leva a um natural sentimento de compaixão, afinal se estamos unidos ao que nos cerca é natural que passamos a respeitar e nos importar. A compaixão existe uma vez que não há separação entre nossa consciência e as outras coisas, é tudo parte de uma mesma totalidade. Já que tudo faz parte de um grande todo, o que afeta um lado, afeta o outro de alguma forma e em algum momento e esses acontecimentos são regidos pela lei de causa e efeito, ou, em tibetano, karma.

 

Pelo karma ações positivas refletem em reações positivas e as ações negativas resultam em respostas negativas. Importante notar que as ações são praticadas pelo individuo e as reações são também sentidas por ele, não há um ser superior ou externo que julga ou que determina punições e gratificações.

 

A compaixão deve ser acompanhada sempre de sabedoria. A sabedoria é um conceito que se opõe à ignorância. A ignorância é alimentada pela ilusão do ego que nos leva a ilusão da separação (eu vs o mundo). É o ego que nos leva ao apego (eu tenho, eu quero, eu preciso) e o apego nos leva ao medo (eu não vou ter, isso vai acabar....). Medo e apego são também frutos das chamadas emoções perturbadoras, como orgulho, inveja, avareza, etc, que por sua vez, são também criadas pelo ego (eu sou, eu gosto). Esses sentimentos levam o individuo a uma limitação, já que ele passa a se iludir com barreiras entre ele e o externo. Essa limitação é ilusória e o que quebra essa barreira é justamente, como dito no início, a compaixão (não há sentido em limitação se entendermos o conceito da totalidade). A compaixão é natural por aquelas pessoas e coisas que estão de acordo com os nossos princípios, o desafio é ter compaixão pelo diferente, pelo que ou por quem esta em desacordo com o que acreditamos como correto.

 

De maneira nenhuma esses ensinamentos devem levar à comodidade, pelo contrário eles devem levar as ações positivas (karma) que busquem melhorar a totalidade. Também não devem fazer com que coloquemos um óculos negro que nos tape a visão das mazelas dos mundo, muito menos um óculos rosa que nos faça enxergar tudo de forma mais bela. Esses ensinamentos devem nos fazer tirar qualquer óculos, ou qualquer obstáculo da frente de nossos olhos (ou, na verdade, consciência)  para que possamos enxergar de forma direta e clara, sem medos ou esperanças.

 

Diz a lenda que o Buda depois de proferir esses ensinamentos (e certamente muitos outros que as sirenes da minha mente não puderam captar e outros ainda que não me foram passados) disse aos seus estudantes que esquecessem tudo e que colocassem a si próprios em meditação pois poderiam e deveriam aprender isso tudo sozinhos.

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Spree it | 2010

Faça uma respiração profunda: será preciso uma boa quantidade extra de oxigênio. Você vai se afogar. Você vai se perder. E quando se perder tocará em blocos de pedras negras e cada um desses blocos representará a vida de 2213 pessoas assassinadas por um louco. Ou mais, ou menos, ou nada disso. Você vai se afogar em paredes que crescem a cada passo e lhe rouba o sol, a luz, o ar. E perdido e afogado e exausto por 10 passos você vai ouvir vozes ecoando pelo labirinto escuro, vozes em alemão que ao invés de soarem como ordens de execução são, na verdade, apenas risos de crianças que brincam de labirinto.  

Como muito do que se vê em Berlim o memorial do holocausto é o contrário do que muitas nações fariam com um passado vergonhoso, a área negra de 19 mil m2 bem no centro da cidade não é uma cicatriz, está mais para uma tatuagem feita propositadamente para homenagear os mortos e lembrar os vivos dos erros cometidos. A leitura ou interpretação, ou mesmo sentimento que o labirinto causa é estritamente pessoal e sempre correta. Uns gostam, outros choram, uns brincam, outros escalam ou rezam ou lamentam ou desaprovam seja sua estética seja sua finalidade ou mesmo sua exclusividade em homenagear os judeus assassinados quando houveram tantos outros grupos perseguidos. Não importa, não se encontram maiores explicações sobre os seus significados mas é certo que o memorial provoca sentimentos suficientes para uma longa reflexão sobre um dos períodos mais obscuros da humanidade. Dizem que o arquiteto, um judeu Americano, inspirou-se no antigo cemitério judaico de Praga onde os corpos foram enterrados do século XIV ao XVIII quando foi fechado por estar completamente lotado com sepulturas com até 12 níveis abaixo da terra.

Berlim não tenta esconder o passado, ao contrario, ao longo desse mais de meio século pós fim da Segunda Guerra e dessas duas décadas pós queda do muro a cidade ergueu e recuperou lugares históricos e encontrou formas de tentar “compensar”, as vezes de forma até poética, os erros de outras gerações. Talvez o maior exemplo disso encontra-se ao redor da Bebelplatz. Ali Hitler, seguindo idéias do seu “homem de Marketing”, Goebles, cometeu uma de suas maiores atrocidades: a grande queima de livros.  A praça encontra-se na frente da mais importante universidade da Alemanha, uma das maiores da Europa, de onde saíram diversos Nobel de todas as áreas. O exercito nazista recolheu todas as obras da biblioteca que de alguma forma iam contra o ideal ariano e organizou uma fogueira com mais de 20 mil livros. A clássica cena em que Indiana Jones ganha um autografo de Adolf foi inspirada nesse dia. Há uma frase cravada em metal no chão da praça: O dia em que queimarmos livros passaremos a queimar homens. A profecia foi dita por Heirinch Neine em 1820, que também teve livros queimados ali. Ao lado da placa há um grande quadrado de vidro e o que se vê lá embaixo, que à principio parece ser o reflexo de algum prédio, são na verdade prateleiras vazias com espaço suficiente para guardar cada um dos livros perdidos. Do outro lado da rua, logo abaixo da universidade, avista-se algumas barracas, ali há uma feira de venda de livros, abre todos os dias do ano, faça sol, chuva ou nevasca e vende desde Harry Potter ao Manifesto Comunista de Marx. Quem sabe em alguns séculos compensaremos o queima de conhecimento que ocorreu ali, não, certamente não, mas lembraremos disso todos os dias.  Ao lado da universidade há uma construção discreta – se comparada com as que a cercam – chamada ____. Originalmente construída para ser uma proteção dos guardas da casa de armas (hoje museu da história alemã) do império da Prússia, guarda hoje uma impressionante escultura que representa todas as vítimas de guerras. Ali esta uma mãe que segura o seu filho morto, mais nada em todo o salão de pedra fria. A não ser o brilho do sol que entrava pelo buraco no teto, porque era um dia de sol. Se fosse um dia chuvoso, haveriam lágrimas no rosto da mãe ou flocos brancos, fosse dia de neve ou apenas cinza fosse o dia nublado ou apenas negro se fosse noite sem lua. Apenas uma mãe segurando seu filho morto como ocorre em tantas guerras.

Topografia do terror. Não chamaria de um museu, mais um guarda arquivos – fotos e textos principalmente – do período compreendido entre a ascensão e a queda do 3º Reich. A estética forte da comunicação e propaganda das SS, as formas de convencimento e de humilhação de quem não seguia a doutrina, a separação dos judeus, a propaganda anti-semita, as execuções nos campos e finalmente a vitória aliada, a libertação dos prisioneiros e os julgamentos e fugas dos nazistas. Tudo ali, aberto, gratuito, em imagens, vídeos e som para serem engolidos e nunca digeridos, para ficarem a incomodar por toda a tarde e a arder para toda a vida em um sentimento de tristeza irremediável.

Ali perto o principal prédio da Gestapo, um dos poucos que nunca foram bombardeados. Hoje central do órgão responsável pela cobrança e recolhimentos de impostos da Alemanha. Justo. Entre eles um grande pedaço do muro, protegido por uma grade. Estranho. Um quase parque expondo os únicos dois modelos de carros vendidos na Berlim oriental, ao lado de uma barraca de hot-dog. Curioso. Dos abusos da 2ª Guerra para os absurdos da Guerra Fria em apenas alguns passos. Dali seguem duas esquinas de uma quase Disney do que era um ponto de fronteira entre as duas Berlim. Check Point Charlie. Charlie porque a Alpha dividia a Alemanha Ocidental da Oriental e o Beta dividia a Alemanha Oriental da Berlim Ocidental. A ilha capitalista. Charlie dividia essa ilha da Berlim Socialista. Pedaços do muro pipocam aqui e ali e dentro de cartões postais. Dois guardinhas trajando o uniforme Americano cobram por foto ou por um carimbo em seu passaporte. Turcos vendem boinas soviéticas. Ha um Mc donalds bem na divisa se lhe der fome. Um lugar fake que parece tirar sarro do muro e das vidas que ele separou por tantos anos. São muitas as estórias de fugas para o lado ocidental: balões, submarinos, cordas, tuneis, disfarces … dizem que uma forma de fuga nunca se repetia 2 vezes, os soviéticos logo aplicavam um antídoto.

Em algum lugar entre o prédio da Gestapo e o memorial do holocausto há um estacionamento de um conjunto habitacional. Um passante distraído não pararia ali jamais. Um passante atento também não. Apenas um passante paranóico seria capaz de notar que as vagas numeradas seguem uma sequencia normal até a 44 então pulam para a 46. Talvez o passante paranóico ficasse intrigado e perguntasse para alguém. Onde deveria estar a vaga 45 há um gramado singelo com algumas arvores onde um casal preguiçoso de ir até o parque Tiergarten poderia esticar uma toalha e dividir um picnic. Ali, em meados de 1945, Adolf Hitler, alguns dias apos se casar, em lua de mel, portanto, uns tantos metros abaixo do solo, em seu bunker, deu um tiro na própria cabeça, provavelmente já ouvindo as tropas soviéticas chegando pelo seu ouvido esquerdo e as americanas pelo direito. Goobles fez o mesmo, não antes de dar um pão com manteiga de cianureto para cada um de seus 6 filhos. É impossível viver em um mundo sem o fuher, teriam sido suas ultimas palavras. Ali está o local onde um dos piores homens que já passou por esse planeta viveu seus últimos dias, sem uma placa e, obviamente, sem nenhuma estatua.

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